O conto da tempestade

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Acordei. Era mais um dia. Mais um dia presente fisicamente na Terra. Mais um dia que eu não gostaria que realmente fosse mais um dia.

Chuva. Muita tempestade caindo. Estava muito frio. Tão frio que dava nem vontade de ir para o mundo real. O mundo real é assustador.

Levantei, mesmo com todo o frio. Os raios vinham e eu ficava relutante. Como eu conseguiria fazer meu planejamento sempre falho com esses raios que a cada dia só aumentam?

Estava tão escuro, nem parecia ser uma nova manhã. Manhãs novas já não tinham mais significado, já que todos os dias apenas chovia. A esperança de que um raio mínimo de sol me traria a luz já tinha esgotado. Eu já sabia que seria para sempre uma tempestade.

Admirei negativamente um pouquinho mais a cena. Muitas nuvens totalmente negras, trazendo o obscuro. Afetava muito a mim, e eu sabia que, de um jeito ou de outro, eu levava essas nuvens obscuras para todos ao meu redor.

Outro raio. Um trovão. Minha cabeça doía. Meu corpo ficava cada dia mais fraco. Aquela tempestade, se continuasse assim, um dia me mataria.

Disseram-me várias vezes que um dia toda essa chuva acabaria e que surgiria um arco-íris. Por que surgiria um arco-íris? Por que, diante de toda essa tempestade, eu poderia ter a recompensa do arco-íris? Eu não merecia.

Talvez eu até merecia estar nessa tempestade.

Forçadamente, saí de casa. Olhei ao meu redor. Várias pessoas começaram a correr da chuva, dos raios, das nuvens obscuras, da tempestade. É bom mesmo que corram, elas podem ficar doentes.

As gotas da chuva queimavam a minha superfície, já cheia de cicatrizes de tanto conviver com essa tempestade, mas mesmo assim, nunca me acostumei. Cada ferida que se abria com a chuva, doía mais e mais, o que parecia um sinônimo de tortura.

Dei um passo, mas, ao mesmo tempo, um raio caiu. Com certeza aquele raio não queria que eu fosse adiante. A chuva ardia cada vez mais.

As pessoas disseram que a tempestade não era tão ruim assim, que eu era um pouco sentimental demais, mas o que é sentimento? O quanto uma tempestade pode afetar alguém?

Dei mais um passo. Mais pessoas correndo, fugindo das novas nuvens que surgiam. Aquelas nuvens eram cada vez mais carregadas, e atingiam a todos com cada vez mais força, era óbvio que iriam fugir.

Caí no chão, numa poça de lama. Observaram de longe o que tinha acontecido, deram uma pequena risada e continuaram a fugir das nuvens. Mais um raio. Não conseguia me levantar. Minhas pernas tremiam como nunca tremeram antes.

Um conhecido passou, mandou eu me levantar e foi embora, afinal mandar é a coisa mais fácil do mundo. Não consegui.

Dessa vez, um amigo estava passando. Este correu até mim e me deu a mão. Quando levantei, ele viu minhas cicatrizes.

— Eu sinto muito por você... Mas suas cicatrizes me enojam... Quer dizer, eu não consigo me sentir bem perto de você. Suas atitudes, seu jeito ultimamente... Eu simplesmente não consigo. Espero que você siga sua vida. Adeus.

E foi embora. O sentimento de humilhação tomou conta de mim. A tempestade aumentou. Mais raios caíram. Mais nuvens surgiram. Voltei correndo para casa. A tempestade tinha acabado de ficar muito mais forte, seria impossível lidar com ela naquele dia.

A verdade é que aquilo tinha se tornado um hábito comum. A tempestade só piorava mais.

Cheguei em casa e comecei a escrever uma carta. Mas, para quem eu faria essa carta, se todos estavam mais preocupados em correr da tempestade? Debulhando-me em lágrimas, amassei o papel, joguei a caneta no chão e olhei a janela. Eu precisava acabar com aquela tempestade, de um jeito ou de outro, mas aquela altura não seria o suficiente. Eu precisava ficar um pouco mais alto, para declarar que ela me venceu. Que ela cumpriu direitinho o que pretendia. Que ela conseguiu ser a gota d'água de tudo. Meu estopim indesejável.

Peguei o elevador e subi até o topo do prédio. A chuva parecia cantar sua própria vitória contra mim.

Olhei para as nuvens sombrias. Memórias. Muitas memórias. Consegui enxergar na minha frente a nuvem que começou a tempestade e a última nuvem que nasceu. A evolução parecia algo... Assustador.

Um raio saiu rispidamente do céu. Meu corpo doía tanto que eu não conseguia mais me equilibrar. Meus joelhos encostaram no chão. Olhei para baixo. O que eu menos queria era enfrentar a tempestade naquele momento. Ficava cada vez mais frio.

Olhei para baixo. Não havia absolutamente ninguém ali. Ótimo, ninguém precisaria presenciar aquelas nuvens horríveis indo embora.

Arco-íris. Arco-íris. Arco-íris. Isso existia? Eu acreditava mesmo num arco-íris? Eu ao menos já vi um arco-íris?

Levantei e dei um passo a frente. A tempestade ficava cada vez mais barulhenta, de forma bastante provocativa. O barulho dos trovões era insuportável. Minha cabeça explodiria a qualquer momento. Eu não suportava mais.

Um passo era tudo o que restava. Raios dançavam ao redor do para-raios. Era uma festa para tempestade, um pedido de basta para mim. Outro trovão. Eu só sentia tudo latejando.

Eu estava, por uma última vez, implorando por um feixe de luz, mesmo que minhas pupilas já não estivessem mais acostumadas, afinal elas já estavam dilatadas há muito tempo.

Ouvi um grito distante. Pensei que fosse mais um trovão, mas fiquei com mais uma confusão na cabeça. Alguém teria coragem de olhar para essa tempestade? Deveriam me agradecer por estar querendo acabar com ela.

Mais um grito. Dou um passo para trás. Nunca senti tanto medo na minha vida. Mais raios começaram a cair, implorando para que eu tomasse logo a atitude que eu queria tomar.

Meu coração palpitava rapidamente. Era uma taquicardia que nunca se acabava. Por mais frio que estivesse, eu estava suando. O que estava acontecendo?

A chuva ficava cada vez mais forte. Ela insistia.

Outro grito, dessa vez muito mais próximo. Por que alguém estaria se esforçando para olhar uma tempestade tão feia quanto essa? Eu realmente não conseguia compreender.

— Ei! Olhe para mim! – Alguém gritou, dessa vez muito mais próximo de mim.

Olhei para trás.

Minha pupila contraiu.

Contos escritos por mim quando estou surtadaOnde histórias criam vida. Descubra agora