Prólogo

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     Nasci e fui criado na cidade de São Paulo, pelos meus pais Vicente e Lana Montenegro, com minha irmã mais velha Louisa. Morávamos em um bairro nobre, de boa arquitetura e vegetações sempre podadas. Meu pai era empregado em uma grande concessionária e minha mãe não precisava trabalhar, passava longas horas do dia no nosso jardim de inverno, antes de ir às aulas noturnas de ioga e dança. Juntos possuíam uma riqueza pequena, restante da herança dos meus falecidos avós paternos, que somada aos lucros do papai era suficiente para as contas, nos sustentar e ainda restar.

     A educação de Louisa e minha sempre havia sido uma das melhores da cidade, e com nossas altas notas em todos os estudos, sempre tínhamos uma atenção especial dos educadores – mesmo que eventualmente minha irmã matasse aula por influência do péssimo namorado. Ela era tão bonita quanto a mamãe, e certamente desejada pelos colegas. Secretamente, eu sonhava em ser similar a elas: uma linda mulher.

     Por mais que conhecesse muitas pessoas no colégio e tivesse meu próprio grupo de amigos de infância, eu não conseguia pensar em alguém com quem tivesse uma conexão especial, com quem pudesse confidenciar a forma que misteriosamente me sentia. Nem mesmo minha namorada Iara, ou minha melhor amiga Hanna, porque nenhuma delas se diferenciava dos outros alunos, ou quebrava algum padrão social, e eu adorava pessoas diferentes. Não havia ninguém interessado em uma aventura fora do colégio, fosse para ver um Blu-ray polêmico, ou ir à Parada do orgulho LGBT. Todos eram comuns demais, por dentro e por fora, bem como eu só aparentava ser. Por isso, decidi apostar em amizades virtuais.

     Ganhei o primeiro celular no meu aniversário de treze anos, em 2014. Não sabia como usá-lo, instalava jogos e passava fins de semana neles, até que vi que meus pais só usavam o aparelho para acessar redes sociais. Eu era o único do nosso núcleo ainda não tinha postado uma selfie na internet, e não que fosse um absurdo, mas tinha um motivo: eu não gostava da minha aparência. Acabei optando por criar um perfil falso no Instagram. Não publiquei minhas fotos, e sim de uma modelo australiana pouco famosa que admirava muito. E naquele site, fiz minhas primeiras amizades intensas. Recebia muitos elogios de pessoas que nem conhecia a cada vez que postava uma cópia de foto. É claro que não achava certo, mas de alguma forma parecia que eu estava sendo... bem, eu.

     Passei cerca de um ano descobrindo coisas novas na web, inclusive sobre mim. Descobri que não só apreciava ter uma identidade feminina, como também sentia afetividade por garotos e garotas, e gostava dos elogios – quase sempre acompanhados de segundas intenções. É claro que muitas das pessoas que visitavam meu perfil acabavam descobrindo a real fonte das imagens, e eu me entristecia com isso — como se fosse desmascarado e enviado de volta à realidade, onde eu era apenas um garoto solitário desprovido de vaidade, e pouco semelhante à uma musa —, mas eu não conseguia repreender essa liberdade. Tive namorados virtuais de diversos tipos: os desesperados para fazer uma vídeo-chamada, os que acreditavam na minha veracidade, os ciumentos que queriam minha atenção instantaneamente, e os que me convidavam para jogar RPG. Alguns deles pediam para ouvir minha voz, e como conseguia deixa-la mais aguda, acabava por convence-los ainda mais. De certa forma eu sempre soube da feminilidade que existia em mim, antes mesmo de ser Sophia Winters. E enquanto minha puberdade ainda não chegasse para me sobrecarregar com testosterona, eu poderia fingir ser a garota que quisesse.

     Minha vida de maneira alguma era perfeita, contudo, era mais do que suficiente para mim. Não tinha preocupações e gostava de quem eu era quando as pessoas não estavam olhando. Mas, como nada que é bom dura por muito tempo, meu pai anunciou durante uma de nossas saídas em família que teríamos de nos mudar de estado. Inicialmente fiquei contente, na esperança de que fôssemos para um lugar espetacular, como uma cidade praiana, uma grande vila charmosa ou um país do exterior. Infelizmente, nenhuma das opções correspondiam ao planejado, e sim, uma pequena e pouco desenvolvida cidade que minha avó habitava.

     Essa mudança foi causadora de muitos obstáculos: vivenciei o caos emocional, amizades terminaram e outras começaram, escapei de uma tentativa de assassinato, resisti à opressão Fênixense, me apaixonei diversas vezes, e, com muito zelo, consegui a liberdade para ser a mulher dos meus sonhos.

ME CHAME DE ELAOnde histórias criam vida. Descubra agora