Já no primeiro dia avisei James, Lexie e Brooke sobre nosso encontro em dez dias. Por sorte cairia num fim de semana então só marquei da gente sair e ir à uma lanchonete ou algo do tipo, coisa que nós já fazíamos normalmente.
Os primeiros dias foram bem tranquilos e minha leitura não tinha acabado então continuei lendo ainda mais sobre os mistérios do multiverso naquele livro que parecia infinito. E talvez até fosse. Era como se páginas sumissem e novas aparecessem no lugar sem que eu visse, mas não tinha como eu confirmar aquilo.
Kenvotera girava no céu com seu ciclo de fases impossível. Digo, impossível fisicamente, acreditei que fosse a magia agindo porque nunca uma lua teria um ciclo tão rápido na nossa Terra.
Na sua fase nova, uns cinco dias já tinham se passado e os jornais divulgavam uma notícia estranha que chamava a atenção de todos.
Uma garota de 19 anos iniciou um incêndio num prédio com mais de 40 andares. Imagens de segurança mostraram ela encharcando totalmente o seu apartamento, no segundo andar do prédio, de álcool, para então acendê-lo em chamas. Ela continuou lá dentro, em pé no meio do apartamento, queimando enquanto não movia um músculo sequer, não demonstrando a menor dor.
O fogo se espalhou rapidamente e poucas pessoas saíram vivas da tragédia. A família da garota, assim como amigos e conhecidos, disseram que suspeitavam que ela estivesse passando por problemas emocionais, mas que jamais esperavam que ela fizesse algo do tipo.
Aquela imagem ficou na cabeça de todos que se dispuseram a ver. Aquela garota de cabelos negros longos e lisos, em pé no tapete de sua pequena sala, olhando para a parede com seus olhos arregalados, sem nenhuma outra expressão no rosto, enquanto o fogo consumia tudo à sua volta, incluindo ela mesma.
Logicamente nem toda a gravação foi divulgada, seria muito perturbador pra quem assistisse.
Na noite do dia 10, me encontrei com James, Lexie e Brooke em uma lanchonete que costumávamos ir. Era pequena mas bem aconchegante com uma iluminação baixa e lanches enormes. Comemos, conversamos e eu até me distraí um pouco do que tinha que fazer.
Pensei em encontrar um lugar mais remoto antes de mostrá-los o livro. Kenvotera ficava cada vez mais brilhante no céu.
Saindo da lanchonete começamos a caminhar um pouco pelas ruas da cidade que já ficavam bem vazias por conta do horário.
- Antes de irmos embora, eu preciso mostrar algo à vocês. - eu disse. - Mas tá lá em casa.
- O que você precisa mostrar? - Brooke perguntou pelos três.
- Eu encontrei um livro enorme cheio de, sei lá, runas ou algo do tipo escritas nele.
- Mas a gente não pode ver isso outro dia? - Lexie perguntou.
- Err... - eu não conseguia encontrar uma desculpa.
- A gente vê outro dia, melhor. Tá tarde já. - James disse.
- É que eu realmente queria mostrar agora.
- Tá, mas por que? - Brooke perguntou impaciente.
- Porque... - eu ainda não encontrava desculpa.
Então, sem pensar muito, invoquei o livro em minhas mãos. As correntes de pó prateado rapidamente o formaram enquanto os três pulavam de susto e olhavam arregalados pra ele.
- QUE PORRA É ESSA?! - os três gritaram juntos.
- SHHHHH! CALA A BOCA, CACETA. - eu olhava pros lados pra ver se ninguém tinha visto o que tinha acontecido.
Por sorte parecia que não.
- Venham comigo! Vocês precisam ver isso! - eu disse tentando impor autoridade e me virei andando e procurando um beco vazio.
Os três se entreolharam mas concordaram em me seguir, até que eu encontrei o beco que eu procurava. A luz da lua ainda brilhava no beco e o iluminava inteiramente, deixando os três sob o luar.
- Que livro é esse, Arthur?! - James perguntou.
- Digam-me vocês. - eu disse abrindo o livro no meio.
Eu não sabia como aquilo iria funcionar exatamente, mas parece que funcionou.
Assim que eu abri o livro um feixe de luz desceu rapidamente de Kenvotera em direção às páginas e o livro começou a flutuar em minha frente. As páginas começaram à virar rapidamente e o feixe depois de alguns segundos desapareceu, deixando o livro com suas páginas brilhando fortemente em azul prateado.
Os três olhavam assustadíssimos para o livro e assim que Lexie deu um passo para trás, três cordas cintilantes surgiram das páginas como tentáculos e foram rapidamente em direção dos três, batendo com suas pontas no peito de cada um, se conectando de alguma forma.
Lexie olhou confusa e assustada para mim.
- Arthur?
E logo após, os corpos dos três brilharam junto com as cordas e um segundo depois, sumiram, enquanto o livro deixava de brilhar e caia no chão, me deixando sozinho e assustado no beco, somente com o livro e o brilho da lua.
- Tá. - eu respirava fundo, tentando me acalmar. - Será que deu certo? Se não, que MERDA QUE EU FIZ?!
P.O.V. Narrador Observador
Os três sentiram seu próprio peso sumir, como se a gravidade tivesse baixado a zero e momentos depois, sentiram seus corpos serem puxados numa grande velocidade em direção ao livro.
Tudo escureceu mas eles ainda se sentiam em movimento. Tentavam gritar mas nada se ouvia, só viam uma luz no fundo, aumentando cada vez mais em tamanho. Segundos depois sentiram seus corpos frearem bruscamente e a luz já tinha cobrido-os completamente.
Seus olhos se ajustaram e eles se encontraram com suas pernas fundas no barro até quase a cintura. À sua volta árvores ciprestes e de tupelo subiam a partir de águas barrentas e fundas. O ar quente e abafado dava lugar para vários insetos que zuniam nos arredores.
O céu acima mostrava sua noite com várias estrelas, uma pequena lua vermelho-escuro e uma grande lua azul prateada, que os três não sabiam, mas era Kenvotera.
- Que porra é essa?! - Brooke gritou assustada tentando levantar seus joelhos da água.
- Onde foi que o Arthur trouxe a gente?! - James perguntou também assustado.
- E onde ele tá?! - Lexie disse também enfurecida olhando a procura de Arthur à sua volta.
Lexie começou a andar em frente numa direção a um grande tronco de árvore deitado sobre a água e os outros dois a seguiram. A madeira estava muito podre e ao tentarem escala-la parte dela se partiu. Mas assim que subiram, os três olharam à sua volta em busca de algum ponto de referência, até que James percebeu uma sombra entre as árvores à alguns metros dali. Parecia alguém tentando se esconder.
- Gente, tem alg-- - James sussurrava para as duas quando algo o atingiu.
Uma dor aguda partiu de seu pescoço e ele sentia algo pulsando por suas veias agora, até que em menos de dois segundos sua visão toda escureceu e seu corpo cedeu à inconsciência.
- JAMES?! - Brooke gritou ao ver um pequeno dardo preso ao pescoço dele.
As duas depressa seguraram os braços de James antes que ele caísse na lama, até que mais dois projéteis cortaram o ar e acertaram elas.
Com efeito semelhante, as duas também cederam e suas visões escureceram, sem antes saberem quem ou o que tinha atirado aquelas coisas.