Quando a vida começa? Por favor, não pensem nessa questão no sentido científico, não teria como debatê-la nesse âmbito, uma vez que meus conhecimentos desse assunto sob essa ótica são pífios e minha pergunta é mais metafórica que concreta. Talvez devesse mudar a pergunta...
Quando começamos a raciocinar sobre a vida? Quando nos damos conta que estamos vivos e se estar vivo é algo que não tem volta? Não sei o que isso significa para vocês, mas para mim, tudo começa quando conhecemos a dor. A minha dor me foi apresentada há muito tempo, antes mesmo de conhecer a mim mesma, antes de ter consciência sobre meu próprio eu, foi quando meu pai morreu, quando eu tinha apenas 4 anos.
Antigamente as crianças pediam benção para seus pais, avós, tios e seja lá qual fosse o adulto presente, pedir a benção quando se chegava ou saía, quando se acordava ou ia dormir era sinal de respeito; isso antigamente, antes de mim ou do meu irmão estarmos vivos, mas assim o fazíamos porque esta foi, de muitas, uma tradição que minha mãe fazia questão de manter. Essa tradição marcou minha vida não pelo fato de tê-la repetido por incontáveis vezes, mas porque foi dessa forma que eu me despedi do meu pai naquele 7 de fevereiro de 1985, ironicamente dia do aniversário de minha mãe.
Lembro-me como se fosse hoje, estávamos em nossa pequena casa, meu pai deitado no sofá com a cabeça apoiada no colo da minha mãe, enquanto ela o abanava, naquele instante eu brincava sentada na porta de entrada da sala, o dia estava claro e quente, o ar denso fazia as folhas das árvores, que ficavam em frente à casa, mal se moverem. Minha mãe chamou-me para junto deles:
– Filha, venha pedir a benção ao seu pai.
– Mas eu já pedi a benção para ele hoje. Eu respondi.
– Peça de novo!
– Ele vai sair? Perguntei.
– Sim.
– Posso ir com ele?
– Não, filha, não pode.
Ainda hoje eu culpo a resistência daquela criança de 4 anos, que preferia brincar a pedir a benção ao pai. Sei que é um erro meu manter essa mágoa, mas a mulher adulta de hoje gostaria de ter passado alguns minutos a mais com o pai, a criança que fui também gostaria, mas ela só foi entender o que aquela "benção" significava minutos mais tarde.... Tarde demais.
Levantei-me, fui até meu pai e encontrei-o ofegante, contudo ainda tentava esboçar para mim um breve sorriso. Finalmente pedi a benção e dei um beijo em sua testa, ele fechou os olhos para não mais os abrir.
Antes disso eu não me lembro de ter sentido uma dor tão forte que me faltasse o ar, como se meu coração se partisse em mil pedaços incapaz de ser reconstruído. Ainda pergunto-me que pessoa eu teria sido se meu pai continuasse vivo, será que todos os momentos de dor que se seguiram daquele momento teriam sido extinguidos? Será que eu teria tornado-me outra pessoa se a vida me permitisse ter um pai? Talvez a pergunta aqui também deva ser outra.... Será que eu seria uma pessoa feliz se o sofrimento não tivesse batido à minha porta tão cedo? Não sei, nunca saberei, nem sei porque perco meu tempo a perguntar isso, só sei quem sou agora, ou melhor, talvez não saiba também; na verdade, o que conheço muito bem é a dor que carrego, a dor que um dia foi uma companheira, uma sombra, uma confidente, mas que hoje torna tudo podre a minha volta
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Luz do Sol
ChickLitEm uma jornada repleta de dias nublados você acreditaria em um raio de sol? Acompanhe Clara em sua busca pela luz.