entre fantasia e realidade

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"Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade..."

— Alice no País das Maravilhas

...

David Borne

Sartre disse uma vez que "nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer" e mesmo eu não sendo um grande fã da filosofia existencialista, preciso concordar com ele. Todos estamos procurando um motivo, uma razão para seguir adiante, não importa qual. Algo que faça o coração bater mais forte e essa baboseira toda que os poetas de meia tigela gostam de enfeitar com um falso lirismo. 

Gosto de pensar que já encontrei algo que eu estaria disposto a bater as botas (se preciso fosse) para realizar. Enquanto passo a escova pelo meu cabelo que necessita de gel quase que obrigatoriamente,  ensaio um discurso de agradecimento regado à sorrisos e acenos amigáveis. Hoje é um dia importante.  Sei disso não só porque meu pai disse "Será um grande dia meu rapaz" no jantar da noite anterior, mas sim porque  pulei da cama sem despertador (e sem reclamar), mesmo sendo uma segunda-feira nublada de outono. 

Os últimos quatro meses tem sido uma montanha-russa de afazeres combinados com horas extras madrugada adentro. Penso em como isso tem afetado minha vida pessoal enquanto desço a escada helicoidal do mezanino. Sigo abaixo pela Quinta avenida com um sorriso largo o suficiente para fazer as bochechas doerem. 

Adentrando na empresa pela porta giratória de vidro, penso no o grisalho Phill Yilan, meu chef que requisitou a minha presença em sua sala nessa segunda, 27, às 8h05 minutos. Phill tem sua própria sala no 53º andar e durante os 45 segundos que o elevador demorou para chegar até lá eu soube que seria promovido. Foi inevitável imaginar que ambições antigas porém clichês seriam bem possíveis de se tornar realidade agora. Imaginei meu rosto estampado em um outdoor no centro ou quem sabe na Times Square.  Pensei nos clientes que terei daqui para frente e nas entrevistas que darei sobre se matar de estudar e ter ambições profissionais. Até a manchete em caixa alta consegui visualizar:  

"O HOMEM MAIS JOVEM DE NOVA YORK A CONSEGUIR O CARGO DE ADVOGADO SÊNIOR REVELA O SEGREDO"

Refutando Sartre, talvez as  fantasias internas sobre glamour, fama e status sustentem nossa sobrevivência. Pelo menos, funcionou para mim. 

...

Ao adentrar no 53º andar porém, percebi que não poderia ir simplesmente batendo na porta do escritório de Phill, seria típico de um principiante.  Charlotte, sua secretária estagiária que ainda estava no segundo semestre em Yale me esperava com um sorriso largo que sustentava seus óculos redondos. Após fazer uma rápida ligação, me dá o sinal para ir até a sala de Phill.

— Grande dia Sr. Borne! O Sr. Yillan está esperando.

— Espero que sim, Charlotte. — digo tentando manter um sorriso discreto e amistoso.

Aparentemente, enquanto caminho até a sala dele, meus pés parecem pesar mais do que eu gostaria. A ansiedade se instala no meu peito e tento respirar na medida do impossível. Bato de leve na porta de vidro e empurro ainda tentando manter a seriedade de um sênior.

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⏰ Last updated: Apr 14, 2020 ⏰

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