Desenho Vivo

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John era um menino sonhador que sempre sonhava em um dia morar com seu irmão mais velho. Eduardo tinha sido um irmão tão bom para John, por isso tinha nele o ponto de inspiração para sua vida.

John tinha apenas 13 anos de idade, estava ainda nos Anos Finais do Ensino Fundamental e o seu sonho era se tornar ilustrador de quadrinhos, mas seus desenhos haviam ficado cada vez mais cinzas após o assassinato de Eduardo. Gostava de fazer desenhos da Disney e às vezes de inventar alguns super-heróis para as histórias que seu irmão escrevia. No entanto, tudo isso mudou quando ele encontrou algumas histórias inacabadas de Eduardo. John queria saber o final delas, porém seu irmão não poderia mais terminar de escrevê-las. "Ficaria tão legal se esse personagem fizesse isso... e aquele outro assim..." e desse modo começou a pensar como ele queria que as histórias terminassem. Tinha muito prazer em agradar a Eduardo com os seus desenhos pois a cada um deles que fazia parecia que a história de Eduardo ganhava vida.

Um dia, ao entrar despretensiosamente no quarto abandonado de seu irmão para procurar alguns materiais perdidos, ele deu de frente com a mesa usada por Eduardo para escrever os seus contos e algo nela chamou a sua atenção. Era uma espécie de copo plástico, parecido com os copos dados em formaturas escolares e dentro dele tinha alguns lápis e borracha, mas algo de anormal havia com aquelas ferramentas. John se sentia atraído por aquele recipiente plástico, parecia que aquele lápis estava chamando-lhe. John se aproximou mais da mesa e viu que as histórias de Eduardo estavam escritas por cima dos seus desenhos, como se cada desenho fosse uma imagem de fundo para a história e cada página sempre contasse o que o desenho mostrava. John começou a folhear um por um de seus próprios desenhos e percebeu algo estranho. Cada página contava com um desenho seu e uma assinatura ao final dela que dizia "Jhonny Boy". Ainda mais estranho do que ver seu apelido ao final de cada página, John percebeu algo que o deixara apavorado. As histórias escritas sobre os seus desenhos não tinham a caligrafia de Eduardo, pois era sua a letra impressa naquelas folhas!

Apesar de ser a sua letra, John não se lembrava de ter escrito algo assim e a caligrafia de Eduardo era perfeitamente reconhecível e absurdamente diferente da sua. "Vamos tentar descobrir o que acontece então...", pensou e começou a desenhar.

Ele iniciou com um desenho de um homem, aparentemente entrando na casa dos 30, sentado em uma calçada da rua, durante uma noite chuvosa segurando uma moça ruiva em seus braços que recentemente tinha sido vítima de um atropelamento.

De repente algo fez John voltar à realidade. No quarto de seu irmão um estrondo o fez quase cair da cadeira. Os vidros da janela próxima haviam se partido violentamente por causa de um forte tufão de vento que entrava naquele espaço. Percebeu que um temporal se aproximava e aquela chuva repentina já começava a invadir o quarto através do vidro quebrado. John então, fechou a janela o mais rápido que pode. Ao girar o trinco daquela janela antiga do quarto de Eduardo ouviu barulhos de frenagem de carros e de gritos de pessoas apavoradas que pareciam vir da rua. Correu para a rua para averiguar o que tinha acontecido e se assustou com a descoberta. Houve um atropelamento com apenas uma vítima, uma menina de sua vizinhança chamada Juliana. Ela era ruiva e seu namorado estava com o corpo dela sem vida nos braços, segurando nas mãos uma carta molhada pela chuva que dizia: "Independente do que aconteça, sempre te amarei. Com carinho, Juliana".

John se recusava a acreditar nessa cena, parecia que havia desenhado a tragédia. O que os seus desenhos tinham de sobrenatural? Partiu para o quarto de Eduardo, subindo as escadas correndo de pavor e foi direto ao seu desenho. Ali, o homem ainda aparecia segurando o cadáver de sua amante, só que dessa vez estava com a carta na mão, carta essa que John não havia desenhado. Além dessa carta, ele notou que a história havia sido contada novamente por cima do desenho, mas com a sua letra e ainda assinada ao final da página como "Jhonny Boy".

Começou então a divagar em seus pensamentos: "Seria possível que os meus desenhos ganhassem vida? Seria possível que eu estivesse influenciando a realidade desta maneira? Mas se as tragédias do meu bairro acontecem porque eu as desenho, por que meu irmão morreu? Eu não o desenhei, algo está errado! ". Começou a vasculhar as gavetas do guarda-roupa de Eduardo e encontrou onde seu irmão guardava suas obras. Folheou suas pastas página por página até o momento que gelou sua espinha: havia um desenho de seu irmão sem vida no chão do seu quarto com uma faca enferrujada e suja de sangue cravada em seu peito. Nesse desenho, também tinha a história de como havia acontecido a sua morte sobre a imagem e no final, aparecia novamente assinada como "Jhonny Boy".

John começou a pensar com a sua mente de artista e se lembrou do desenho que fez de seu irmão experimentando uma camiseta nova, a mesma que Eduardo usara no momento da tragédia. "Mas eu desenhei meu irmão vivo, por que ele morreu então? ". John procurou o desenho de seu irmão vivo e não o encontrou, algo estava errado. Nesse momento o vento que ainda entrava pelas frestas da janela quebrada soprou na mesa de desenho e o seu último desenho que contava da morte de Juliana voou, parando em suas mãos.

John teve seu insight: "Como aquela carta havia aparecido na mão daquele homem se eu não a desenhei? ", e imaginou algo que não havia se dado conta antes, seus desenhos previam acontecimentos futuros e esses acontecimentos influenciavam a forma final de seus desenhos. Era quase como se os desenhos de John tivessem vida própria por alguns momentos.

"Mas como eu vou descobrir o que aconteceu aqui nesse quarto naquela noite? O papai não me deixava entrar nesse quarto, ele não queria que eu visse seu cadáver, acho que por eu ser muito próximo a ele... já sei! " pensou. John sabia que Eduardo havia usado aquela camisa nova apenas uma vez, pois ela havia sido comprada a pouco tempo, e se lembrara que Eduardo o havia chamado para perguntar se tinha ficado bem com ela. John se lembrou também de ter conversado com Eduardo a respeito disso enquanto ele se olhava no espelho antes de tudo acontecer. "E se eu desenhar o Eduardo experimentando a camiseta? ". E assim John o fez. Pegou o desenho do assassinato de seu irmão, analisou suas vestimentas e deu início a sua próxima obra de arte. Terminou o desenho em questão de minutos. Os sentimentos estavam à flor da pele, não foi difícil se lembrar e fazer aquele lápis maldito trabalhar no papel. O desenho estava pronto! John o analisava com os olhos marejados e percebia que o tempo fechara como naquele dia fatídico. Foi até a janela para conferir se estava bem fechada, apesar de quebrada e voltou para admirar o desenho. Seu coração gelou! Ele encontrou o desenho alterado como acontecera com a carta de Juliana. Seu irmão estava no chão com a faca cravada em seu peito, seu pai estava de joelhos ao seu lado e no espelho ao seu lado estava escrito com sangue: Jhonny Boy, foi tudo culpa sua! Assinado: Eduardo.

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