Águas Profundas

Capítulo 01 / Starcity

   "Luz. O lembrete visível da luz invisível." - T. S. Eliot

      Sempre tive uma forma definida de como enxergar as pessoas, eu olho para elas e penso no que estão pensando, ou se estão pensando o mesmo que eu, me pergunto se alguma delas já tentou suicídio, se alguma delas enfrenta uma doença ou está prestes a descobrir uma, ou então, se aquele é o seu último dia de vida. Porque uma hora tudo acaba.

   Bom, meu tempo em Nancidy acabou, e é por isso que agora estou correndo pelos corredores do colégio Star Five, em Starcity. Cheguei atrasada no meu primeiro dia de aula (talvez eu não devesse apertar o modo "soneca" tantas vezes), e ainda por cima preciso achar a sala B, a de Literatura. Se bem me lembro da planta, no terceiro andar, a segunda sala à direita.

   Quando chego no lugar correto paro uns dois passos antes da entrada, minha respiração está ofegante e me preparo emocionalmente para as apresentações. Ser o centro das atenções só é bom quando você quer. Certo, no três. Um. Dois. Tr...

   - Srta. Montgomery? Fui avisado de sua chegada, é um prazer vê-la novamente, por favor, entre. - Sr. Black aponta para a classe. Já havia o visto antes, quando minha mãe e eu viemos fazer a matrícula, ele se apresentou exatamente assim: "Olá, sou seu professor de literatura, pode me chamar de Sr. Black".

   Sigo para dentro da sala e os olhares são dirigidos para mim, como o esperado. Jovens, curiosos e intrometidos, tão previsíveis. Por isso os olhos que não olham para cima são o que me atraem. Um garoto de cabelos negros está de cabeça baixa desenhando ou escrevendo algo em seu caderno. Camuflagem. Pelo visto temos um antissocial, ou piscicopata.

   - Turma, essa é Alice Montgomery. Seja bem vinda.- Acordo do meu pequeno transe.

   - Obrigada. - Procuro uma carteira vazia e acho uma ao lado de uma garota. O cabelo dela é bonito, cheio de cachos volumosos, sua pele parece brilhar com tamanha melanina, os olhos são duas bolas negras e me examinam. De cima a baixo. É o tipo de pessoa com uma beleza que você não consegue parar de olhar.

    O lugar é até espaçoso, as pessoas são variadas, a maioria não parece estar muito animada com o início das aulas. Afinal, quem está?

   - Com licença. -  Já este tem belos castanhos, não como os meus, os meus são ruivos, olhos cinza, como os meus e um sorriso largo rasgando o rosto. Ele, ele está. Respondo minha pergunta.

   - Quem é você? - Pergunta o Sr. Black.

   - Austin Montgomery.- Meu irmão gêmeo.

   - Não fui avisado que teria outro aluno. - O professor mexe nos óculos e levanta as sombrancelhas, então começa a vasculhar alguns papéis na sua mesa um tanto eufórico. De repente para como se estivesse se lembrando de algo. - Vocês são irmãos? - Aponta para mim e para Austin, de Austin para mim e novamente. Desejo me enfiar num buraco neste exato momento.

   - Somos. Acho que peguei o livro errado irmãzinha. - Ele vêm até mim.- Esse é o seu, e aquele ali é o meu. - Aponta para o livro de Química debaixo do meu caderno e só então me movo.

   - Ah. - Trocamos.

   - De nada.- Diz e toca a ponta do meu nariz com o indicador. Fecho os olhos com força. Que. Vergonha.