Olhei pela janela e suspirei fundo. Via e ouvia as pessoas ali passando, mas tudo parecia tedioso hoje. O vendo assobiava entre as frestas e ao abrir a porta de madeira, após tirar o trinco, vi meu tio passando com o pedaço de ferro em uma mão e o martelo em outra.
Tantas vezes já o pedi para parar de fazer esforço, mas ele nunca me escuta. Respirei fundo novamente e fui trabalhar na horta. Coloquei as luvas de pano, prendi o cabelo em um rabo de cavalo e fui em direção às mulheres da vila.
A horta é comunitária, e se eu ajudar com as plantas na colheita e na plantação, eu e meu tio ganhamos comida e um pouco de dinheiro no final do mês, proveniente do rei. É claro que, por sermos servos, devemos 20% de tudo que conseguimos a ele, mas qualquer lucro já nos ajuda.
Coloquei a mão na terra e puxei com força a cenoura, que me deu um tranco para trás e acabei caindo no chão em que estava agachada.
-- É criança... Você parece um pouco desanimada hoje. -- Betina falou me ajudando a levantar.
Betina é como se fosse minha mãe. Ela é esposa do dono da confeitaria, e quando eu era pequena e não podia ajudar meu tio a trabalhar, ela sempre dividia sua comida conosco, sem cobrar nada por isso. Devo muito à ela.
-- É... Acho que vou ficar um pouco doente. -- Me desculpei limpando as mãos e voltar ao trabalho.
No final do dia, voltei para casa porque a chuva tinha começado. Fechamos as portas, as janelas e arrumei minha cama e do meu tio.
Acendi as velas e assim que ele chegou em casa, fiz um pouco de chá quente e assei pão.
-- Como foi o trabalho hoje? -- Perguntei arrastando a cadeira e me sentando.
-- Foi... Bem. Mas Kate, eu realmente não sei como vamos fazer com o dinheiro. Mal estou conseguindo comprar comida. E...
-- Vou trabalhar mais. -- O interrompi. -- Vou pedir para a dona Betina me deixar ajudá-la na confeitaria. Eu vou... Dar um jeito. -- Respirei fundo.
Ele tomou um gole do chá, pensando e disse:
-- Não se sobrecarregue. Vai dar tudo certo pirralha. -- Ele disse dando dois toques na minha cabeça.
Sorri e terminei minha bebida. Deitei na cama e fechei meus olhos.
-- Boa noite!! -- Gritei um pouco antes de pegar no sono. Não me lembro de ter uma resposta, mas eu dormi muito bem — Por pouquíssimas horas.
O meu quarto nunca foi grande. Nem minha casa na verdade. A vila em que moro é muito pobre, e é difícil termos alguém com boas condições financeiras aqui.
Basicamente, temos, ao passar pela porta de madeira da entrada, uma sala com a cozinha no mesmo cômodo, o quarto do meu tio e ao passar pelo grande corredor que separa nossos dormitórios, um pequeno banheiro que dividimos. O corredor é realmente extenso, tanto que, se eu não desse um grito pra desejá-lo boa noite, ele não teria escutado. Talvez meu tio tenha também respondido meu cumprimento, mas a distância como eu disse, é muito grande para escutarmos um ao outro.
A chuva continuava lá fora, o vendo que antes era só um assobio, agora se tornara berros para mim. Acordei assustada, fechando todas as frestas da casa enquanto me levantava. Tateei os cômodos, e fui me guiando sem o auxílio de um lampião.
Ao atravessar o corredor e passar pelo quarto do meu tio, revirei os olhos. Ele tem o sono pesado.
Cheguei finalmente à cozinha, que também é a sala e senti meus pés molhados em algum momento. Mais uma goteira... Eu não conseguiria resolver esse problema por inteiro agora, então apenas abri a porta, deixando a luz da lua e as estrelas me darem certa direção, enquanto eu procurava pelo balde, ao lado de fora da casa.
A chuva molhava meu cabelo, e o vento arrepiava minha pele. Mesmo a camisola sobrinho 90% do meu corpo -- deixava apenas o tornozelo e os meus pés a mostra --, não foi o suficiente para não me deixarem com frio.
Meus dentes se chocavam várias e várias vezes por minuto, enquanto eu me demorava em procurar meu objeto precioso.
De repente, eu ouvi um estrondo e olhei para trás: minha porta estava fechada. Foi o vento. Entretanto, me auto refutei quando tentei abrí-la e percebi que alguém tinha a trancado.
Ignorei esse problema e me voltei ao outro: procurar o balde. Dei alguns passos, até virar a parede frontal da minha casa e chegar perto do quarto do meu tio, do lado de fora, obviamente.
O sr. Andy, nosso vizinho, sempre dormia com alguma lamparina acesa, que ajudava a iluminar um pouco as ruas daqui. Foi ela quem me ajudou a ver o que aconteceu comigo.
Do telhado de casa, pulou um homem de capuz atrás de mim. Não vi seu rosto, mas sim sua sombra enquanto estava no ar. Tentei me virar, curiosa e com o susto, para saber quem era, mas sua mão já estava em minha boca, amarrando um pano para que eu não pudesse gritar. Seu corpo se chocou contra o meu, enquanto ele me arrastava para trás, com o braço dando uma volta no meu ombro.
Tentei me mover, tentei gritar, chutar, mas as lágrimas embaçavam minha vista. Não enxergava direito, tanto por causa delas como pela ausência de luz. Minha respiração era inconstante, me faltava ar, mesmo ele deixando todo meu nariz para fora do pano. Ataque de Pânico.
Minhas mãos estavam sobre seu antebraço, tentando puxá-lo para que me soltasse, mas ele era muito forte. Eu não era fraca, tinha muita força na verdade, se comparar com as outras mulheres da vila, mas com certeza isso não fazia a mínima diferença aqui e agora. Não estava me machucando, porque essa não era a intenção dele. Por algum motivo, estava até mesmo evitando encostar em mim.
-- É melhor não tentar nada. -- Sussurrou no meu ouvido.
Eu sempre fui alguém muito ingênua em certas ocasiões. Nem precisava vê-lo para saber que se eu tentasse fugir ele faria algo com meu tio.
Sempre tentei ver algo bom nas pessoas e talvez bem lá no fundo, ele também tivesse uma. Mas, dependendo do que fosse me acontecer hoje, eu já não estaria viva amanhã, ou no pior dos casos, não teria mais nenhuma pureza em mim.
Não sei porque ele estava tentando me levar a outro lugar. Talvez seu pensamento fosse algo perverso, mas eu realmente não tenho nada de interessante. Nem dinheiro, nem uma beleza extraordinária, nem pais.
-- Preciso que venha comigo da forma mais passiva possível. Vou te levar onde preciso de qualquer maneira, mas acho que se me escutar, conseguirá lhe poupar bem mais esforços.
O pano em minha boca estava molhado, por conta das lágrimas que escorriam. Enquanto ele ia me levando para trás, eu ia me despedindo mentalmente de onde cresci, do meu tio, da dona Betina, do Sr. Andy e de todos ali.
Ele ficará pensando que eu fugi...
Parei de me debater por um instante, e foi quando ele me pegou pela batata da perna e me colocou em seu ombro.
Todos dormindo tranquilamente. Qual será a reação deles amanhã quando não me encontrarem aqui?
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O caçador
RomanceEle tinha tudo para ter uma vida diferente, mas escolheu a forma mais perigosa de viver: matando criminosos dos piores tipos. Entretanto, tudo muda quando seu serviço é a busca por uma garota, aparentemente insignificante, durante uma viagem de trin...