Maldito seja Hipnos

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     Haviam cerca de cinco noites que eu não conseguia dormir. Sempre o mesmo sonho. Sempre a mesma mulher. Ela me encontrava em um bosque e me entregava uma espécie de colar, e então ela sumia... Eu já havia acessado milhares de sites astrológicos e de significados de sonhos, mas nada. Nada relevante que conseguisse acalmar minha mente paranoica que me cercava de milhares de possibilidades para aqueles sonhos estarem acontecendo. Suspirei fundo me levantando da cama. Nada havia mudado na minha típica rotina matinal. O lado bom de não ter uma mãe, era que Charlie em si possuía um jeito rústico que não me sufocava, por outro lado, eu sempre acabava tendo que fazer meu próprio café da manhã, coisa que grande parte dos meus colegas de turma nem faziam ideia de como seria. Sim, mesmo com 16 anos a maioria daqueles garotos não era capaz de fritar ovos com bacon pra não morrer de fome.

     Reprovar um ano acabou me deixando um pouco deprimido, todas as pessoas que eu considerava meus amigos já estavam a quilometros de distância de Katehé. Ninguém em sã consciência ficaria naquela cidade de tivesse a oportunidade de sair, e eu não havia tido essa oportunidade ainda. Charlie saberia se virar bem, ele estava tendo um pequeno caso com a garçonete da lanchonete perto de casa. Ele achava que era um segredo, até conversarmos sobre as saídas dela as cinco da manhã levando quase metade da mobilia junto, já que para uma mulher que utiliza um grau tão alto de óculos deve ser dificil andar na escuridão com suas lentes embaçadas. Eu queria ir para o Brasil, queria conhecer cada estado daquele país e encontrar uma faculdade meramente barata pra cursar história. Eu não queria nada demais, apenas uma vida modesta, um cachorro, um diploma e um emprego. Era pedir demais?

     Após comer minhas torradas queimadas e tomar um café que certamente era a única coisa que eu conseguia fazer bem, peguei minha bicicleta e segui para a escola. Katehé é uma cidade que dispensa veículos, temos apenas dez mil habitantes e tudo (sim, tudo) fica a menos de dez ou quinze minutos de distância da sua casa. Cheguei a "prisão" , apelido carinhoso que D.M havia dado para a única escola da cidade, que por sinal, era onde estudávamos. Me dirigi até minha sala, coloquei meu material disposto em cima da mesa enquanto esperava o sinal bater. 

     Tínhamos aula de filosofia com a senhorita Carter, isso sem dúvidas era de longe broxante, não a matéria, mas a maneira singela e simples como a senhorita Carter a explicava. Eu não resisti. Adormeci segundos após responder "aqui" para a chamada. O sono veio de forma profunda, sem sonhos, apenas uma soneca intensa e revigorante para quem não se lembrava como era dormir bem. "Senhor Rise? Senhor Rise?" a voz ecoava ao longe, meus olhos iam se abrindo e eu apenas conseguia enxergar uma mulher baixa com raiva estampada em seus olhos. Me levantei depressa vendo a senhorita Carter me lançar um olhar mortal.

     - Maldito seja Hipnos, não é mesmo senhor Rise? - Disse ela sorrindo de leve. Toda vez que ela sorria, as rugas do seu rosto se mantinham evidentes, nessas horas eu temia que o rosto da mulher começasse a rachar e esfarelar como uma estátua antiga.

     - Desculpe, Hipnos? - Disse ainda confuso sem saber ao certo o que estava acontecendo.

     - Se estivesse acordado saberia mais sobre o deus dos sonhos senhor Rise... Mas voltando ao conteúdo, os deuses olimpianos se resumem em doze, entretanto, ainda existem outros deuses e criaturas que os antecederam, estas se chamam titãs, alguém pode dar um exemplo de um tit... - Ela não conseguiu terminar sua fala.

      Naquele instante a porta da sala de aula simplesmente se abriu, dela um garoto alto de cabelos compridos e enrolados saiu acompanhado do diretor. Meus olhos foram de encontro ao seus. Eu estremeci. Havia algo naquele olhar que me levava além daquilo que eu poderia ver fisicamente. Eu podia ver... Eu podia ver trevas... Eu podia ver escuridão.

     -  Com licença senhora Carter, este é um aluno novo. Ele veio do Brasil, portanto é intercambista... Porfavor, o recebam bem! Façam ele se sentir em casa... Obrigado professora, com licença...

     O diretor saiu da sala fechando a porta no mesmo instante. O garoto até então sem nome caminhou por entre as carteiras e de forma sútil se sentou na carteira em minha frente. Suspirei fundo. Eu  não acreditava em deus, ou mesmo no diabo, mas aquele garoto possuía o olhar de um diabo. Como eu sabia daquilo? Eu apenas sabia. Sentia como se algo acabasse de mudar, sentia como se a primeira carta de um castelo começasse a cair em câmera lenta em direção ao chão.

     - Seja bem vindo! Poderia porfavor se apresentar para a turma? - O tom da senhorita Carter era cuidadoso. Era como se até ela conseguisse sentir algo de errado no aluno novo, seus olhos diziam issso. 

     Ele se levantou e caminhou de forma lenta até a frente da sala, ele usava uma jaqueta preta, calças jeans pretas e rasgadas. Em seus pés coturnos surrados. Era o típico garoto de aparência trevosa. Ele possuía um colar em que no pingente haviam rosas que se entrelaçavam até formar um pentagrama que continha as iniciais HP em seu centro. Harry Potter? Porfavor, ele não parecia ser alguém que gostasse desse tipo de leitura. Seus olhos eram verdes, seus lábios eram grossos, sua pele era levemente morena. 

     - Sou Thomas Nordic, sou intercambista e venho do Brasil, tenho dezessete anos e detesto qualquer tipo de aproximação. Sendo assim, não forçem amizade a não ser que queiram uma reação intempestiva e grosseira. Estou aqui porque sou obrigado a estar, não pretendo fazer amigos... Então fiquem longe de mim a qualquer custo. É isto, obrigado.

    Era impossível descrever a expressão facial que habitou no rosto da senhorita Carter. Todos se mantiveram boquiabertos com o que o garoto acabara de dizer. A sorte maior era que minutos depois o sinal tocou, evitando o clima terrível que imperaria naquela aula. Todos saíram da sala, mas algo estranho aconteceu, quando passei pela carteira de Thomas, senti algo segurar meu pulso... Era sua mão... Macia e quente. Meus olhos arregalaram.

     - O que eu disse vale pra todos, menos você... Você é diferente deles... Ghael Rise.

     Meu corpo estremeceu. Era como se tudo ao meu redor  ficasse lento e parado. Aquilo não estava acontecendo, não poderia estar acontecendo. Eu senti uma mão fria tocar as minhas costas e então... Acordei. Minha respiração estava ofegante. Havia sido um sonho. D.M tocava minhas costas para me fazer acordar na aula da senhorita Carter. Eu estava aliviado, estava grato por nada daquilo não ter passado de mais um sonho estranho e sem significado. Foi quando notei que o que aconteceu em seguida, havia acontecido em meu sonho... O diretor entrou, o garoto também... Meu coração acelerou, aquilo não estava acontecendo. A mesma fala do diretor, o mesmo pedido da senhorita Carter, e então o garoto indo até a frente da sala.

     - Sou Thomas Nordic...

     Eu não consegui ouvir nada após seu nome, tudo foi ficando embaçado e senti meu corpo amortecer e cair para o lado atingindo o chão. Minhas últimas lembranças são da Senhorita Carter vindo na minha direção enquanto meus olhos fechavam e uma voz feminina ecoava em minha mente...

     É chegada a hora minha criança... A primeira lua está para nascer...

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⏰ Last updated: Feb 24, 2020 ⏰

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