Vilarejo Bruzovka - República Tcheca

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No final do último outono, no vale em torno do Rio Moldova, enquanto a brisa gelada do delta se espalhava sobre o pequeno vilarejo tcheco, uma idosa aparentando setenta anos de idade caminhava pelas ruas desertas.

Antigamente não havia Internet e o medo dos soldados russos, que dominaram a região por longos anos, aumentou o isolamento e abandono daqueles vilarejos. A maioria deles tinha se transformado em pequenas cidades fantasmas.

Com a chegada da Internet, porém, as coisas começaram a mudar, pois pessoas e veículos puderam ser rastreados e o cruzamento de dados entre as antigas províncias possibilitou a criação de mapas estatísticos mais atualizados.

Imediatamente veio a tona informações do enorme contingente de pessoas que desapareciam no território Tcheco todos os anos. Organizações não governamentais começaram a cobrar das autoridades a solução de todos os casos que surgiam nos relatórios policiais.

A proximidade do inverno e a ausência de turistas estrangeiros devolviam à maioria dos pacatos vilarejos medievais a aparência de solidão extrema. Neles há muitos anos não existiam mais tantos jovens ou crianças, pois os residentes resistiam à ideia de colocar uma criança no mundo, sabendo-o tão duro e perigoso para os pequenos.

Cada nova alma que chegava ao mundo nessa região não era recebida com festa e júbilo, como acontece normalmente nas cidades fora desse cinturão de isolamento e pobreza.

No entorno do Rio Moldova, principalmente nos finais de tarde, era bastante comum recolher-se em suas próprias casas ou convidar um vizinho para uma bela torta tradicional e um chá à beira da lareira, desde que esse vizinho não tivesse que caminhar uma longa distância entre as casas, principalmente no escuro.

O Vilarejo Bruzovka, por exemplo, tinha pouco mais de trinta casas, separadas umas das outras por um singelo pomar e jardins cobertos de arbustos, que no verão se enchiam de flores perfumadas e multicolores.

A casa mais antiga da rua pertenceu a uma família russa que abandonou o vilarejo e voltou para Moscou, quando o país se separou da URSS. Agora a casa está com novos inquilinos, uma família polonesa de nome Novac.

A família Novac chegou ao vilarejo há exatamente três verões e conquistou a vizinhança pela sobriedade com que se vestem e a discrição que fazem questão de manter sobre a sua vida privada.

O apreço pela discrição é uma herança dos tempos em que a república tcheca estava sob o domínio de Moscou e era bastante apreciada pelo povo do interior. Uma discrição do tipo "eu não pergunto sobre a sua vida e você não pergunta sobre a minha".

A idosa, em questão, caminhou de casa em casa até a residência da família Novac e bateu na pesada porta de madeira. O arco de ferro fundido que substituía o punho cerrado, por motivos óbvios, pois o frio congelava as extremidades das mãos das pessoas tornando hábitos simples, como anunciar-se batendo numa porta, algo extremamente doloroso.

Depois do som incrivelmente poderoso, a porta se abriu ruidosamente e uma linda jovem de longos cabelos loiros surgiu e cumprimentou-a.

— Boa tarde, em que eu posso ajudá-la? — indagou a jovem.

— Boa tarde. Desculpe o incômodo, mas este é meu marido Julius e ele desapareceu há três noites — explicou-se a idosa estendendo a mão na qual mantinha uma foto desbotada onde um homem de meia-idade exibia-se na frente de um grande lobo cinza recém-abatido.

— Um caçador? Seu marido é um caçador? Eu realmente não entendo a graça que os homens sentem em caçar animais indefesos — observou a jovem que olhava fixamente para a fotografia.

Embora fosse de uma família aparentemente abastada, a jovem Novac exibia um semblante cansado, abatido do tipo comum apenas às mulheres do povo. O cabelo apresentava uma estranha descoloração nas raízes e pontas e os lábios levemente arroxeados denunciavam a ausência de vaidade.

Pega de surpresa pela observação da jovem Novac a idosa imediatamente tratou de explicar-se.

— Aahh o meu Julius abandonou a caça tem uns trinta anos, mas essa é a única foto dele que eu tenho — retrucou a idosa em defesa do marido.

— E os filhos, senhora?... — Quis saber a jovem Novac.

— Svoboda — completou a idosa. — Cora Svoboda é o meu nome!

— Senhora Svoboda, tem filhos? — questionou a Novac.

— Não, minha cara, éramos somente eu e o meu Julius e agora que ele sumiu não sei o que farei sozinha neste mundo. Você conhece alguém que poderia me ajudar a encontrá-lo? Como eu não tenho recursos, não consigo que deem importância ao meu caso. Não tenho ninguém por mim!

A jovem, que até então, não tinha demonstrado nenhum interesse no drama da pobre senhora, ficou por breves segundos contemplando a rua vazia com ar preocupado. Estranhamente ela não queria ser vista conversando com a idosa e percebendo que a noite estava chegando rápido e que em poucos minutos a escuridão reinaria sobre todo o vale, começou a demonstrar mais interesse na senhora que congelava a sua frente.

Aos poucos as extremidades dos seus próprios pés começaram a ficar adormecidas e ela resolveu que já tinha ficado tempo demais em pé na porta.


— Bom, Senhora Svoboda, talvez eu tenha algo para lhe dizer afinal, deseja entrar e aquecer-se comigo? — Ela fez um gesto convidativo com a mão e moveu-se sorrindo, dando passagem para a idosa e continuou. — Muito bem, prepararei para a senhora um delicioso chá.

Ainda do lado de fora, enquanto caminhava para o interior da casa, a Senhora Svoboda impressionou-se com a decoração e a temperatura agradável que vinha do interior. A cada passo que dava mais sutilezas do mundo dos Novac se revelavam para ela, deixando-a mais relaxada e confortável naquele ambiente diferente de tudo que ela conhecia.

Ao olhar em volta, estranhou não ter ninguém junto à lareira, bem comum naquele horário, e não se contendo perguntou:

— Sua família é grande?

— Sim, muito grande eu devo dizer — respondeu a outra.

— Muito agradecida — disse a Senhora Svoboda enquanto tentava segurar a xícara de chá que lhe era servida, não imaginando o que a esperava.

— Na verdade, eu é que agradeço essa visita tão agradável, porém inesperada — falou a jovem Novac.

— Você tem crianças na casa? — Quis saber a Senhora Svoboda.

— Não, embora minha família seja muito numerosa, há tempos não temos novos nascimentos entre nós — explicou.

Enquanto a jovem ia falando, a velha senhora sentiu seu corpo mais pesado que de costume e tudo em volta ficar distante. Tentou inutilmente esboçar alguma reação frente ao sono irresistível que a dominou, caindo sobre as almofadas que exalavam um perfume inebriante.

Próximo dela, a jovem Novac a observava desfalecer até perder completamente os sentidos.

De um dos quartos ao lado, uma voz lúgubre fez-se ouvir por todos os cômodos da casa.

— Posso sair agora? — perguntou a voz.

— Sim, ela está desacordada — respondeu a jovem Novac e continuou: — extremamente desconfortável seus feromônios não funcionarem mais neles.

— É esta atmosfera. Maldita hora que eu aceitei participar dessa missão com vocês — reclamou o recém-chegado.

— Bom, você é o único entre nós que desenvolveu essa condição ao chegarmos aqui. No entanto, não deveria reclamar depois de tudo que nós temos feito para mantê-lo vivo e seguro neste mundo — observou a jovem Novac.

— Espero que em breve o problema dos portais seja resolvido e a gente volte para casa, isso sim — resmungou o outro.

— Não precisaremos mais dos portais, pois desta vez planejamos deixar o planeta de forma convencional, usando uma nave que estamos construindo no Novo México.

— Uma nave? Por que eu não estava sabendo disso? — ele perguntou.

— Vamos aproveitar nossa refeição enquanto eu te explico tudo — ela sugeriu.

— Mal posso esperar por estas novidades, posso começar? — ele perguntou.

— Sim, claro, fique a vontade!

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⏰ Last updated: Feb 24, 2020 ⏰

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