Talentos Especiais

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Estou congelada.

Não é  o clima, o dia está agradável hoje, o ar sequer está gelado. Também não tem nada que esteja trancando ou impossibilitando meus movimentos, mas ainda assim, me sinto congelada. Em algum lugar do espaço, em alguma sensação. É algo que toma meu tempo, leva toda minha atenção. 

É justamente o que faz com que eu não consiga ouvir uma palavra do que Yeri me disse desde que me desejou bom dia, trinta minutos atrás.

— E então, você sabe o que ele disse? Ele teve a coragem de dizer que eu estava sendo dramática. Você consegue acreditar em uma coisa dessas? Eu, dramática?

— Uhum.

— Espera, você está concordando?

A pergunta de Yeri, feita num misto de fúria e confusão, faz com que eu finalmente acorde do transe em que estive presa pelos últimos minutos e a encare com um vinco na testa, visivelmente confusa. 

O que ela estava dizendo mesmo? Não tenho a mínima ideia.

Levo alguns segundos para associar palavra por palavra e descobrir que ela me colocou em uma situação difícil, já que não fui capaz de ouvir sequer uma palavra desde que ela começou sua história. Não foi proposital, mas Yeri parecia estar falando em outra língua o tempo todo. Eu ouvia sua voz, mas não conseguia entender o que ela dizia.

— Estou concordando com você. Você tem razão — digo, mas quando a encaro novamente, é impossível evitar um suspiro derrotado, porque sei que o problema que tem me tirado a atenção corre grande risco de ser posto em pauta aqui.

Ela fica em silêncio, seus olhos passam pelo meu rosto como um scanner, a procura de qualquer resquício de contradição que possa existir em mim. E como se estivesse em uma sala de interrogatório, eu covardemente evito o contato visual, pois sei não sou capaz de aguentar a pressão e vou fraquejar se ela me olhar nos olhos. Yeri é uma excelente observadora, a prova disso é que ela abre a boca segundos depois, indignada:

— Você não estava ouvindo nada! — Aponta o dedo, num tom acusatório.

— Claro que eu estava.

— Mentirosa! Duvido que tenha ouvido uma palavra do que eu disse.

Eu realmente ouvi a parte do bom dia.

— Quer que eu fique comentando a situação toda? Você sabe que eu não sirvo para dar conselhos.

É a melhor desculpa que consigo arranjar, e por alguns segundos, quase acredito que Yeri se convenceu com minha resposta e logo estará falando outra vez.

— Hm, muito bem. Então, como eu estava dizendo... Hm, em que parte eu parei mesmo? — Sua testa se vinca, como se realmente houvesse se distraído e esquecido o que contou segundos atrás.

— Você estava dizendo que... Estava...

É mais ou menos aí que percebo que caí em uma armadilha estúpida. Me sinto uma idiota quando ela batuca as unhas na mesa e sustenta um sorriso vitorioso. Não é a primeira vez que Yeri consegue me dobrar e usar minhas palavras contra mim. No fim de tudo, sinto que a única coisa que a única coisa que falta é vê-la empunhando uma espada de esgrima contra meu corpo enquanto diz: Touché!

— Xeque-mate meu anjo, não há para onde correr. — Um sorriso repleto de provocação adorna seus lábios quando ela diz: — Agora, o que é que está se passando nessa cabecinha?

— Nada.

É minha última tentativa de disfarçar e fugir da conversa que, definitivamente, não quero ter.

Boatos • Kim TaehyungOnde histórias criam vida. Descubra agora