Entre Céu e Inferno

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"Eu sinto uma coisa ao olhar para o oeste
E o meu espírito clama por ir embora
Em meus pensamentos, eu vi a fumaça subindo pelas árvores
E as vozes daqueles que observam"

— Stairway to Heaven, Led Zeppelin.

[...]

— Isso me faz pensar — inicia Tzuyu — para onde vão os anjos maus, mamãe?

— Eles caem até o inferno, querida.

— Isso eu sei, mamãe, eu quero dizer: para onde vão os anjos maus que não são maus o suficiente para ir até o inferno?

— Todo mundo é mau o suficiente para adentrar o inferno, Tzuyu. — Jihyo sorri, separando outra mecha de seus longos cabelos negros para pentear — Mas alguns se perdem no caminho.

— E para onde eles vão?

— Eles ficam presos entre Céu e Inferno.

— E o que há entre Céu e Inferno, mamãe?

— Eu não sei, querida.

— Mas você não criou todas as coisas?

— Todas as coisas dentro destes muros. — os olhos da pequenina seguem os dedos da mãe, que apontam para o lado de fora onde os jardim pareciam infinitos até que os muros surgissem no horizonte — Nada que esteja fora do Éden é do nosso interesse, está bem?

— Está bem, mamãe.

Chou Tzuyu se lembra de questioná-la todas as noites sobre Éden, Lúcifer e o Inferno. As palavras de Jihyo, no entanto, sempre seguiram uma mesma risca. Ela criou o Céu, o Paraíso dos Anjos e Boas Almas; Lúcifer era a mais perfeita de suas criações — ou pelo menos, era no que ela acreditava; A propósito, Lúcifer era uma mulher. Chou nunca encontrou um retrato ou um simples esboço que evidenciasse seus traços para que a menina — agora moça — imaginasse a história por completo. Sabia de três coisas: 1) Lúcifer era uma mulher, assim como Deus, a sua amada mãe; 2) Lúcifer não era a criação mais bela de Jihyo, e sim, Éden; 3) Lúcifer caiu por amar mais a si mesma e desafiar seu criador. Todos os que seguissem esse mesmo caminho, terminariam como Lúcifer: excomungado, diretamente ao Inferno que Lúcifer criou para si e todos os anjos sem asas.

— O Inferno é uma lenda. — comenta Mina — Não existe nada além daqueles muros.

— E se houver de fato? — rebate Jeongyeon — Você não teme o fogo do Inferno?

— Como eu disse, o Inferno não existe. — insiste — Não posso temer o que não é real.

Ela estava errada: todos tememos coisas irreais durante todo tempo. Tzuyu sempre temeu o mundo entre Céu e Inferno, mesmo que ele não fosse de fato real. Era uma sensação de solidão, como uma folha em branco; Não havia nada e você se torna parte daquele nada. Qualquer das iras de Jihyo assustavam-lhe menos do que perder-se entre o Céu e o Inferno. Mas Chou Tzuyu era um anjo curioso; Tantas perguntas que Jihyo nunca respondeu; Tanta mesmice nas suas histórias; Tantas possibilidades que ela cresceu cogitando. A menina tornou-se mulher muito brevemente, assumindo uma aparência esbelta e madura; Mas por dentro, ainda era a criança bisbilhoteira que sua mãe tanto amou.

Era temporada das camélias, uma das favoritas de Chou Tzuyu — não mais favoritas que as cerejeiras, essas de fato conquistaram-lhe mais do que quaisquer milhões mais. A luz do dia esquentou seus cabelos, que recaíram como brasa em seus ombros desnudos. Chou Tzuyu sorri; Comemorava sua décima oitava primavera. A propósito, não tinha escolhido seu presente ainda, pois a moça, agora uma adulta, já possuía o que qualquer outro não tivera o prazer. Jihyo sempre lhe deu tudo e nenhum de seus desejos ficaram para trás; Filha de Deus, Tzuyu tornou-se o anjo mais belo e sábio dos jardins — naquela ocasião, de camélias — e ninguém nunca ousou compará-la a Lúcifer, apesar de muitos pensarem a respeito. "Teria Jihyo acertado desta vez?", se perguntavam. Deus falhou uma primeira vez, por mais que esse erro não fosse apontado pela maioria. Lúcifer foi mimada demais, enfatizada demais, açulada demais; Tornou-se uma petulante, uma rebelde insolente e defrontante. "Deus? Deus é uma piada!", berrou para todo o Éden. "Vocês todos são uma mentira!". Tamanha ofensa nunca seria aceita por Jihyo; Eis o que aconteceu em seguida: uma grande tempestade de ventos úmidos e quentes a arrastaram para os portões; Lúcifer tentou agarrar-se às pilastras de ouro, mas a ira de Deus era mais forte que sua insubordinação. Arrastada até o outro lado, um grande buraco abriu-se abaixo de seus pés e Lúcifer despencou até onde seu ódio fosse grande o suficiente para um solo brotar. Lúcifer tornou-se parte da terra e dela renasceu como uma raiz; Suas asas tornaram-se espinhosas e no lugar de seu halo, galhos secos e petrificados enchifraram a besta. Seus olhos queimavam tanto que Lúcifer acendeu tochas e mais tochas até um portão de rochas e afiadas cercas de prata; Do lado de dentro, ela criou um lago de chamas. As labaredas espalharam-se pelos troncos grossos e contorcidos e uma fumaça negra se ergueu acima do teto. Há quem diz que esta é a primeira coisa que você enxerga até o caminho para o Inferno; A fumaça sobe pelas árvores e suas folhas se desfazem como poeira. Essa história nunca foi contatada a Tzuyu — pelo menos não por Jihyo. Dezoito anos aguardando respostas, ela sabia como as conseguiria dessa vez.

Stairway to HeavenOnde histórias criam vida. Descubra agora