IV

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      Então este é um novo dia, estou me segurando na ponta afiada de uma faca e isso machuca como nunca pude imaginar. Tenho duas escolhas, cair de vez e desistir, ou continuar me segurando na ponta desta lamina  cruel enquanto me machuco aos poucos, desejando que o fim seja mais lento.

      Não lembro quando comecei a pensar que minha vida era apenas algo supérfluo, não lembro quando comecei a sentir que não tinha tanta importância assim.

      Todas as noites quando fecho os olhos, penso se vou acordar e isso costumava me apavorar, mas agora tudo que desejo é que o ultimo dia vivido realmente seja o ultimo. Todas as manhãs quando abro meus olhos, sinto preguiça de viver, sinto que não há necessidade, que o mundo não vai mudar em nada se eu decidir parar agora. É assim que eu me sinto.

      — O que acha de irmos ao café amanhã? — Betty está sempre empolgada para tudo.

      — Tenho que trabalhar. — Digo.

      — Não pode tirar um dia de folga? — Isso era tudo que eu mais queria.

      — Não, desculpe. — Olho para o café entre meus dedos e penso no quão incrível seria não ter que me preocupar com contas a pagar e ter dinheiro para comer.

      O olhar de Betty é compreensivo, mas eu sei que para ela é difícil entender por que trabalho sempre e estou sempre atrás de mais empregos, ela tem pais bem sucedidos e não precisa trabalhar ainda, ela pode ir a outro país quando quiser e fazer intercâmbios em qualquer lugar do mundo. Betty tem sorte.

      Depois de conversar com a minha melhor amiga sobre como eu estava me sentindo em relação a não ter conseguido o papel principal no próximo show, fui até o teatro para praticar um pouco, as aulas já haviam terminado e eu tinha um tempo antes de ter que ir ao trabalho, não queria nem pensar no que iria comer quando chegasse a hora do jantar, talvez eu não coma nada. Viver de lamén as vezes me faz ficar deprimida, tudo bem que mesmo se eu pudesse comprar ingredientes não poderia cozinhá-los, sou péssima na cozinha, mas sinto tanta falta de uma comida caseira, a comida da minha mãe.

      Já com as sapatilhas nos pés, alongo as pontas dos dois lados e estico os braços para cima, dou alguns passos para frente e alguns giros para aquecer. Nunca pensei em fazer outras coisas além de balé, essa é minha paixão desde criança por influencia da minha mãe, mas as vezes imagino se existe outras coisas que eu goste tanto quanto dançar. Subo na ponta dos pés e ando em circulos para habituar meus pés. Um frio percorre meu estomago ao lembrar de Josh me prensando no beco ao lado da loja outro dia. Nunca imaginei Hopey como o vilão das historias, sei que Betty me acha idiota por não retrucar os insultos dele, mas sempre que o olho tento lembrar do garotinho que me protegia de todos, sempre consigo lembrar.

      — Você pensa demais. — Ouço uma voz grave e entorto meu pé tentando descer da ponta com o susto.

      A dor sobe da ponta do meu pé até o tornozelo e solto um grunhido que me faz pensar se não estou exagerando, pressiono o pé no chão e imediatamente caio com a dor quase insuportável, não consigo mexer o meu pé e não consigo pensar em outra coisa a não ser que posso estar condenada a não dançar no ultimo espetáculo da minha adolescência, entro em pânico internamente.

      — Você se machucou? — Ouço a voz grave outra vez.

      Elevo meu olhar e bem ao meu lado está o mesmo garoto do outro dia, o que sempre usa capuz.

      — Não sei, talvez tenha torcido o tornozelo. — Aperto o lábio entre os dentes para tentar conter a dor e ele se abaixa tocando meu pé.

 Swan Lake ✦ KTHOnde histórias criam vida. Descubra agora