Capítulo único

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N/a: Leitura gostosinha e que eu não pretendo estender (há coisas que só são boas se são efêmeras). 

Boa leitura, perdoe-me qualquer erro e votos são sempre bem-vindos.

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Apressado, apressado e apressado.

Harry corria de uma rua para outra, esbarrando em uma ou duas pessoas no decorrer do caminho. Ele tentava se enganar e dizer que não havia feito de propósito. Não era um atraso pequeno, Harry estava duas horas atrasado, suando demasiado embaixo do terno mal passado. Pegou um lenço no bolso e enxugou a testa que minava gotículas de suor, estreitou os olhos em direção ao horizonte e com um sorriso nervoso viu o bondinho apontar na esquina.

Pouco tempo depois, subiu no vagão sem muito esforço, encontrando um lugarzinho lá para metade do bonde. Ele sabia o que esperar, já havia acontecido tantas vezes que ele nem compreendia o motivo do nervosismo de antecipação. Ainda assim, ele prendeu a respiração quando o outro subiu algumas paradas depois, o terno tão firme ao corpo como uma luva para uma mão delicada. O dono do sorriso simpático cumprimentou o maquinista e logo depois serpenteou pelos lugares quase que completamente lotados. Olhou para Harry pela primeira vez, segurando o sorriso na ponta dos lábios, somente o deu um leve acenar de cabeça em forma de saudação. Sentou na cadeira ao lado, encostando suavemente o corpo estreito ao do outro que era largo e levemente musculoso.

Harry tinha o cabelo nos ombros, Louis, por outro lado, tinha os fios bem aparados rente a linha da sobrancelha, uma leve franjinha no local e os olhos azuis de Poseidon. Harry colocou a mão no apoio da frente do assento, bem no meio dos dois lugares e esperou. Não demorou muito para Louis não tão disfarçadamente também segurar no ferro e roçar o seu dedo mindinho no de Harry. Isso era algo deles, o toque íntimo que gritava saudade.

O sorriso do mais alto dos dois veio involuntariamente, esquecendo qualquer etiqueta e virando seu rosto para Louis, as covinhas fundas nas bochechas, as sobrancelhas juntas porque estava feliz. Louis o olha, somente como um aviso de que eles estão no meio de muitas pessoas e que eles precisam ter cautela. Harry desvia o olhar, mudando a sua atenção para as poucas carruagens que passavam pela rua naquele horário.

Louis mexe o dedinho só um pouco para a direita, entrelaçando com o de Harry, como uma forma de aliviar a ânsia por qualquer mínimo contato que os dois têm. E Harry tenta, ele realmente tenta, expulsar os pensamentos da noite anterior de sua mente, mas é o cheiro de lavanda de Louis bem ao seu lado que deixa tudo tão difícil. Ele lembra de como o cheiro fica quando está misturado ao suor de Louis, de como a fragrância é liberada tão suavemente de seu corpo quando Louis está sentado em seu colo, impulsionando os quadris para baixo como se o mundo de fato fosse acabar. Harry pensa em como aqueles mesmos dedos que agora, discretamente, enlaçam os seus, horas antes puxavam, sem pudor algum, seus cabelos. O sorriso de Louis também não é o mesmo, Harry pensa que não houvera calma nenhuma na forma que Louis sorriu tão diabolicamente para ele enquanto tentava tirar tudo de si por meio dos movimentos. O quarto escuro. Os suspiros. O barulho de pele contra pele.

Louis.

Louis que era tão discreto e polido, Louis que ajudava velhinhas a atravessar a rua, Louis que era o exemplo da sua família, Louis que era casado e muito bem visto pela aristocracia local. O próprio imperador falava aos quatro ventos seu afeto pelo garoto que mesmo com pouca idade era tão inteligente. Louis que sempre distribuía sorrisos para todos.

O mesmo Louis de Harry.

O mesmo Louis que chorava no colo de Harry porque não aguentava mais toda aquela pressão. O mesmo homem que se sentia muito deslocado quando precisava ir até o centro do Rio para mais um baile promovido pelo imperador. O mesmo homem que abraçava sua esposa como desculpa para sua traição. Ela sabia, sempre soube e nunca foi difícil perceber quando Louis chegava mais tarde e com o cheiro de outra pessoa, nessa ocasião, ela só soltava o abraço apertado e culposo do marido e se recolhia no seu próprio mundo.

Louis queria dizer que sua esposa era uma má pessoa, queria dizer que não sentia culpa, mas o olhar quebrado e decepcionado da mulher de cabelos castanhos era demais para não se importar. E ele tentou dar um fim a tudo em tantas e tantas ocasiões, entretanto, nunca conseguira. Houve esperança novamente quando há poucos anos, o imperador assinou a lei que permitia o divórcio e divisão dos bens comuns, mas todas as vezes que Louis tentou tocar no assunto, sua esposa fugiu novamente como um diabo que foge da cruz.

Ainda assim, Harry era o único que conhecia todas as facetas de Louis. E ele era extremamente apaixonado por cada uma delas. Harry era o único que Louis queria, Harry também era o único que Louis beijava tão forte que os lábios doíam. Porque assim, talvez a dor fizesse a culpa diminuir um pouquinho.

E ali, naquele bondinho velho, repleto de rostos distorcidos e de pessoas que iam e vinham e nem mesmo notavam a bolha que dois amantes sustentavam para permanecer juntos, um reconhecia o outro no grito mudo que era entrelaçar os dedos mindinhos.

Bonde l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora