Há muito tempo, muito mesmo, antes de você nascer, antes de seus bisavós nascerem, antes dos cavaleiros medievais e dos filósofos gregos, antes dos mamutes e dos dinossauros, o Sol e a Lua se apaixonaram. Sim, é estranho pensar que uma esfera gigante de gás quente e um satélite frio e rochoso conseguissem sentir algo pelo outro, ainda mais o incompreensível amor, mas eu juro para você que, muito, muito tempo atrás, aconteceu.
O Sol era um cara forte, alto e jovial. Tinha olhos claros, cabelos loiros e ondulados e uma pele bronzeada que combinava com seu estilo de surfista de filme clichê: bermuda amarela, regata branca e óculos escuros. Enfim, ele era lindo na visão de todas as garotas, tanto que a noite, enquanto não estava mais iluminando os planetas de seu sistema solar, ele saia em seu carro conversível pela galáxia em busca de uma estrela sem par.
Já ficou com Betelgeuse, teve um caso com Bellatrix, namorou Sírius, se meteu em uma briga com Pólux por causa de uma estrela da Ursa Maior, confundiu uma das três Marias com a irmã, tirou uma gigante azul de órbita e levou uma constelação inteira para a cama de uma vez só. Claro que isso são apenas os boatos que ouvi de alguns cometas e vai por mim, cometas mentem bastante e não são muito confiáveis, por exemplo, uma vez emprestei dinheiro pro Halley e ele falou que ia me pagar no dia seguinte, não vejo ele desde 86.
A pequenina Lua não era que nem ele. A rochinha celeste provavelmente nunca tinha sido notada pelo gigante Sol (o mesmo que é chamado de pequeno em seu grupo de amigos). Era a filha única da Mãe Terra, por conta disso era extremamente tímida e solitária. Em sua infância mal e mal brincava com seus primos Fobos e Deimos porque morria de medo deles (tio Marte também não era nada hospitaleiro) e nem com os filhos de Júpiter porque ela não sabia o nome de nem metade deles. E também não podia frequentar os parquinhos pois a poeira espacial atacava a sua rinite.
Não era muito popular porque vivia perto da mãe o tempo todo e morria de medo de conversar com astros grandes, mas também, as historinhas que Terra contou à ela quando era mais nova, sobre buracos negros que poderiam sugar ela, sobre antimatéria explodindo tudo que encostava e também sobre monstros invisíveis que puxam astros por aí desviando suas rotas.
Mesmo assim essa inibição toda não anulava seu charme único. Seus cabelos prateados eram encantadores, mesmo que às vezes despenteados, seus vestidos elegantes que tinham uma escala de cor que ia do branco até o preto, e suas crateras que pareciam sardas combinavam com os sorrisos tímidos que ela dava toda vez que imaginava ela e o seu amado Sol juntos.
Em um solstício desses, o Sol prestes a sair para um encontro com Andrômeda ele vislumbrou a pequena menina dos olhos brilhantes saindo de trás da Terra. Lua estava espiando o amado meio escondida e quando viu que seus olhares se encontraram ela quis fugir, se esconder na sombra da Terra e nunca mais sair, só que a gravidade fez ela ir para o lado oposto.
O Sol sorriu ao ver a reação da menina, ou será que tinha sorrido por causa do sorriso tímido que ela soltou sem querer? Ou então por causa do brilho naqueles olhos lindos? Ou então por causa de seus cabelos bagunçados e suas sardas que davam um charme?
Nem eu nem ele sabe o porquê daquele sorriso dele, mas viu naquela garota algo que nunca vira nem em qualquer outro astro que tinha ficado. A menina não era brilhante como uma estrela e nem tinha o corpo de uma, mas ela era atraente, não tanto quanto uma anã branca, mas mesmo assim atraente de um jeito diferente.
Os boatos que Halley e seus amigo me contaram diziam sobre estrelas das mais diversas partes da galáxia, sobre planetas de todos os tipos (algumas delas até usavam anel, e o Sol nem ligava) e sobre romances passageiros com alguns cometas. Ele até mesmo tinha namorado com uma nebulosa, mas o relacionamento não deu certo por falta de transparência por parte dela. Mas luas nunca tinham sido citadas em nenhuma história das aventuras amorosas do Sol, então se acreditava que elas não faziam o tipo dele.
Mas depois daquela troca acidental de olhares o Sol não perdeu tempo para chamar a pequena Lua para um encontro quando ela resolveu dar mais uma espiada por cima do ombro da mãe. A pobre coitada ficou com o rosto corado e não fazia ideia de como reagir ao pedido. Seu coração disparou com o nervosismo, gaguejou, respondeu que não sabia e voltou a se esconder. Ela não sabia se a mãe deixaria, afinal Terra estava em uma maré ruim. E se ganhasse a permissão? Como ela iria agir? Qual roupa iria vestir? Ela também só conhecia o Sol de longe, via ele algumas noites, outras ele nem aparecia. Sua mãe dizia que era apenas um eclipse, mas era uma desculpa para não falar para a filha que o amado estava deitado na cama com um corpo celeste que não era o dela.
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O Lado Escuro da Lua
Short StoryHá muito tempo, muito mesmo, antes de você nascer, antes de seus bisavós nascerem, antes dos cavaleiros medievais e dos filósofos gregos, antes dos mamutes e dos dinossauros, o Sol e a Lua se apaixonaram. Sim, é estranho pensar que uma esfera gigant...