Aurora

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"Alba ou Aurora - momento em que o Sol aparece na linha do horizonte."

Kuroo suspira uma lamuria presa no fundo do coração, nos confins da alma. Seus olhos entreabertos miram a silhueta deitada sobre a cama, esparramada pelo colchão numa tranquilidade invejável, alheia ao admirador moreno que mantém os orbes cor de avelã naquele corpo magro e alvo, maculado apenas por marcas que atestam com provas claras o que a madrugada acolheu em seus braços, isolando do mundo externo ao quarto.

Ele não deseja se levantar dali. Não quer que o sol que passou a surgir tímido entre os prédios os alcance em seu universo próprio, porque envolto nos lençóis e no calor está a lua, e ela irá embora quando o dia tomar espaço no céu de outono.

Kuroo tem receio de tocar a macia textura leitosa, os curtos fios dourados do cabelo bagunçado, tem medo até de com sua própria respiração descompassada desconstruir um momento raro de harmonia, um eclipse pouco rotineiro, mais efêmero que os demais. Ele se sente caminhando sobre uma fina linha que separa a noite do dia, a emoção da ausência, a presença da rejeição.

Se contenta em apenas observar, de maneira quase idólatra, os cílios curtos, os lábios rosados e abusados, o queixo fino e as sobrancelhas relaxadas. Embora queira manter no toque a certeza de posse, a única forma de garantir a eternidade da presença alheia é cultivando o sensorial em seu pensamento, confortável em sua memória. Kuroo movimenta os olhos para a janela, pensando se deve puxar ou não a cortina e evitar que as finas menções do astro solar confundam seu contemplar lunar, não querendo se despedir da noite e de sua paixão livre com suspiros e desvios.

Adotando uma flexibilidade e sutileza quase felina, ele proíbe com egoísmo que o sol faça seu trabalho a anunciar o início de mais uma manhã que se estenderá enquanto ele brilhar junto as nuvens, estas tão dispersas e falsas quanto o homem que compartilha o calor de sua cama logo estará, uma vez desperto.

Tetsurou almeja que o dia acabe instantaneamente, quase implorando ao sol seu retroceder, a fim de permitir que o astro prateado torne a brilhar mais um pouco, sendo iluminação particular dos torsos se esbarrando, das bocas que se encontram junto a promessas que duram pela eternidade de uma noite.

Ele suspira lentamente, o peito se movimentando num ritmo beirando ao fúnebre, melancólico por antecipação. Kuroo armazena em seu íntimo o som do respirar profundo, linear e pesado, o aroma masculino e entorpecente, ele instintivamente recolhe todos os fragmentos etéreos e materiais que pode, mantendo seu foco no rosto belo um pouco mais, já sabendo que os olhos castanhos escondidos por trás dos orbes fechados não olharão para si sequer uma vez após abertos.

Eventualmente, ele sabe, Tsukishima irá acordar com calma, tentando cobrir a pele marcada com sua camisa de botões e fingindo solenemente que não percebe a ausência de muitos deles. Ele irá se levantar, tomar um banho e se livrar do sabor que provou deliberadamente e repetiu com gosto por toda a noite, e então irá se concentrar no novo dia que desponta com o calçar dos sapatos, o abrir da porta e o abandono, sem se preocupar com nada ao acordar de um sono sem sonhos, egocêntrico.

Mas enquanto Kei ainda está ali, preso nas fantasias despertas de Kuroo, Tetsurou pode fingir que o sol não chegou para levar seu amor a outros destinos, outros caminhos ou paixões.

Porque Kuroo é um caso da noite, e assim como todos os ladrões e amantes, tudo que ele deseja é que a madrugada jamais chegue para recolher aquilo que não o pertence.

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