01. O PRINCÍPIO

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SAMANTHA

Como tudo na vida tinha dois lados, o mesmo funcionava com aniversários.

Olhando para o mausoléu suntuoso da família Adkins, lembrei-me do caixão escuro e muito bem moldado de madeira com as alças em tons dourados, descendo naquele buraco sem acreditar que ali pela última vez era a morada de meu marido George Adkins. Fechei meus olhos, deixando as lágrimas caírem soltas por meu rosto imaginando como seria continuar a minha vida sem ele ao meu lado. Antes que o enorme caixão descesse à sepultura, pousei um beijo sobre a tampa lustrosa e uma solitária rosa branca que o acompanharia em seu descanso.

Aquilo fazia um ano, mas ainda era tudo muito difícil e a rosa com o beijo haviam sido levados pelo tempo. George era mais velho, e me deixando sozinha em um mundo atormentado por crimes e ambições doentias por poder eu nem sabia direito no que aquilo tudo estava relacionado a mim. Casei-me com um grande juiz conceituado no país, e isso me deu dinheiro e o poder com o que nunca sonhei ou almejei ter na minha vida. Com esse poder veio também a visibilidade e os olhares tortos de toda a alta sociedade de Miami na qual circulávamos com certa frequência. Nenhum deles estava lá no primeiro aniversário da morte de George. Apenas eu e Russell, meu chefe de segurança e grande amigo no qual meu marido confiava plenamente.

- Vamos, Sam - disse ele. - Aqui não é lugar para se ficar por muito tempo.

- Aqui também não é lugar para ele - comentei enquanto olhávamos o nome gravado. "Amado filho, esposo e braço forte da lei e da ordem", eram palavras bonitas para descrevê-lo.

Russell tinha intimidade suficiente para não ter que me chamar de Samantha, parecia um pai do qual não lembrava, perdi o meu ainda muito nova e as memórias foram se apagando conforme os anos se passavam. Era um homem de meia-idade assim como meu marido e de cabelos grisalhos, pensei que quando mais jovem seus cabelos deveriam ser castanhos médio e seus olhos eram claros e eram de um carinho enorme e natural, e estava um pouco fora de forma para padrões que exigiam para chefe de segurança. Já exibia uma barriguinha saliente que o deixava com o aspecto de um ursinho loiro e confortável. Ele me mataria se eu dissesse isso em voz alta.

Tocando-me delicadamente pelos ombros me levou até o grande carro preto e insufilmado que me esperava há alguns metros de distância dali. Eu havia me tornado viúva aos trinta anos de idade, e viver sozinha sem George na casa enorme que dividimos não era simples. Tudo me lembrava dele!

Ao chegar em minha casa, após visitar a lápide de George, percebi o quanto ela estava grande e silenciosa. De certo modo aquilo era muito bom, e embora a quietude me fazia muito bem às vezes, em ocasiões como aquela só parecia... assustadora.

- Eu sei que não é momento para isso, Sam. - Começou Russell enquanto eu abria a porta do meu quarto e ia em direção à varanda aberta com vista para o grande jardim ao fundo da casa. No jardim estátuas, flores e mármore claro ornamentavam o entorno da piscina grande com enorme gramado ao fundo. O dia estava ainda claro e ensolarado deixava a visão ainda mais bonita e convidativa da área da piscina, decidi absorver aquele aspecto do dia para retirar os resquícios da melancolia do cemitério de minha alma antes que eu começasse a pensar demais.

OUTRA CHANCE (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora