I'm Lost in That Ocean of Feelings

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   Nunca havia visto o Projac tão vazio e silencioso. Parecia até que o tempo corria cada vez mais vagarosamente a medida em que olhava a tela do meu celular. Hoje não haveria gravações, mas eu, Deborah e Vitória estávamos fazendo algumas poucas dublagens de cenas com pequenos erros na parte sonora para então cumprir a tão recomendada quarentena. Vitória havia acabado de comer uma barrinha de chocolate sem ter me oferecido, mas por mais estranho que pareça, aquilo nem me comoveu.
   Não sei como explicar, mas a energia estava muito pesada. Era como se a insegurança e a solidão tomassem conta de cada metro quadrado daquele lugar. Meu coração palpitava rapidamente e eu estava mais ansiosa que nunca, sem nenhum motivo aparente. Quando relatei às duas, Deborah me mandou espairecer enquanto Vitória me disse que já havia contraído o vírus. Mostrei-lhe um belo dedo do meio e fui para fora olhar o (não) movimento.

   Estava sentada em um dos bancos da parte externa enquanto mandava uma mensagem para minha mãe, dizendo que estava quase finalizando e ligaria assim que pudesse me buscar. Ela tem sido tão forte ultimamente. Além de aguentar a dor de uma viuvez precoce e inesperada, ainda lhe restava forças pra consolar-me  por um coração partido. É, realmente não imagino minha vida sem aquela mulher.

   Já havia se passado uns quinze minutos, e nada de voltar ao normal. Meu peito estava apertado, meu coração descompensado e havia um nó na minha garganta. Por mais que fingisse, não dá pra fugir dos próprios pensamentos, e  nem das próprias circunstâncias. O meu desequilíbrio mental havia nome e hoje, com aquele lugar vazio, as chances de vê-lo eram maiores ainda.
   É impossível não lembrar de como estávamos há um ano. Os nossos planos iam melhores do que nunca e não conseguíamos ficar nem se quer um dia sem nos vermos. Hoje, o que me resta é encarar o medo de encontrá-lo sem saber lidar com minhas próprias emoções, enquanto ele jura amor a outra em um relacionamento completamente problemático.
   Será que aquela namoradinha dele sabe o que o príncipe dela faz sem sua companhia? Pois deveria. Mal sabe ela que, nos últimos dias, Nicolas já havia me chamado pra almoçar várias vezes, com a desculpa que seria como nos velhos tempos. Pra disfarçar, chamava também Carol e Felipe, que aceitavam só pra me ver numa saia justa. Quem eu quero enganar? Embora havia resistido muito, aceitei todos os convites e voltava sempre com uma sensação de felicidade.
   Há uma semana, almoçamos os sozinhos, e o assunto principal da conversa foi o Sancho, filho que aquele desgraçado abandonou quando resolveu assumir aquela vigarista. Acho que me diverti aquele dia como não fazia há tempos, mas a melhor parte foi quando voltei ao estúdio e presenciei todos os meus amigos enchendo-me a paciência até me fazerem corar. No mesmo dia, lembro-me de ter visto ele ir embora com a mãe e a namorada. Ele nem a tocou direito, era como ela se fosse invisível. Quem a fez sentir-se presente na conversa foi minha ex sogrinha, fazendo-lhe alguma pergunta. Ri internamente. Antes só, do que mal  acompanhado por uma golpista. Ok. Parei.

   Já estava quase perdida em meus devaneios quando sinto um perfume conhecido se aproximando de mim.
  - Ei, moça. - virei-me para trás. Nicolas estava atrás de mim com uma máscara de proteção.
  - Tá fazendo o que com isso aí?
  - Nada. Tava sobrando lá no estúdio e coloquei pra experimentar. O que faz aqui?
   - Só aguardando pra dublar mais cena. E você?
   - Me despedindo do pessoal. É meu último dia.
   - Então... não vou mais te ver?
   - Aqui, não.
    Um longo silêncio se instalou, até que Nicolas resolveu tirar aquela máscara e sentar-se ao meu lado.
   - E como está se sente?
   - Com o coração apertado, mas tenho a sensação de dever cumprido.
   - E as férias?
   - Espero que passem voando. - Olhei fixamente em seus olhos que já não brilhavam como antes - É. Eu não tô... não quero ficar com a mente vazia. Não tô podendo. Entende?
   - Entendo.
      Novamente um silêncio agonizante tomava conta do lugar. Como não tinha nada em mente, improvisei:
   - Pretende visitar aqui nas suas férias?
   - Acho que sim. Aqui é perfeito pra corrida. - Sorri. Um alívio apossou meu corpo. Não era minha intenção, mas fiquei extremamente feliz em saber que o veria mais vezes. Meu último desejo era me afastar dele, e me recriminei por isso.
   - Tenho que ir. Preciso levar minhas coisas e me despedir de mais gente. - Assenti com a cabeça e nos levantamos um em frente ao outro. Pela primeira vez, o silêncio entre nós não era desconfortante. Eram só duas almas complemente perdidas que só queriam encontrar o caminho pra casa. Acarei-o então dos pés a cabeça. Nicolas estava magro, com o rosto abatido e um olhar muito triste. Se não estivesse olhando minuciosamente para sua boca, nem haveria notado o sussurro de um "desculpa" saindo de seus lábios. Franzi a testa. Ele se despediu novamente e saiu andando para a direção oposta.
  - Nicolas! - Freou automaticamente. - Por que me pediu desculpas? - Segui lentamente até ele.
  - Por tudo. - Continuei o encarando. - Eu queira muito conseguir te dizer o que está acontecendo aqui dentro.
  - Como assim? - Fingi-me de desentendida.
  - Nada. Eu só... entendo se não me perdoar. Eu mesmo acho que nunca irei. 
  - Então por que continua fazendo? Por que segue em um relacionamento que não te agrega em nada? Não percebe que está machucando a mim, a si mesmo e a ela?
  - Não sei. Eu não me controlo mais. É como se alguém dentro de mim quisesse a todo momento provar algo a alguém. Não sei mais como sair.
  - Então por que vem me pedir perdão? Espera o que? Que eu te ajude a trair alguém?
  - Não preciso necessariamente te beijar pra trair.
  - Então tem mais alguém nessa história?
  - Não. Só quero dizer que não consigo te tirar da cabeça por um minuto sequer. Isso já é adultério.
   -  E o que adianta me dizer isso?
   - Adianta pra manter minha esperança.
   - Esperança de quê, Nicolas? - Falei, já com a voz embargada.
   - Esperança de conseguir voltar pra você um dia, de sair dessa bola de neve que só cresce a cada dia e, bom, esperança de olhar no espelho e me reconhecer. Sinto muito. De verdade. - Depositou um beijo em minha testa e saiu caminhando sem rumo, com sua mochila nas costas e cabeça baixa.

   Fiquei no mesmo lugar, paralisada, até Vitória e Deborah me acharem depois de alguns  minutos. Sentamos em um banco mais próximo para aguardar minha mãe. Não trocamos muitas palavras. Acho que já tinham percebido o porquê de eu estar assim.

   Indo para o carro, me recompus para não demonstrar tristeza perto de minha mãe. Uma série de pensamentoz invadiu minha mente, e em um sobressalto, lembrei- me de uma frase lida em um livro, há alguns meses atrás: "Se duas almas se encontraram verdadeiramente, não há nada que possa as separar". Entrei no carro e parti para casa.

   Naquela mesma noite, debrucei-me na janela e admirei o pedacinho de lua que estava visível no céu. Ela mostrava-se só uma parte do que realmente era. Irônico, não? Respeitei fundo e a fiquei admirando-a por um bom tempo.
   - Só espero poder te encontrar de novo, meu amor.
    
   

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⏰ Última atualização: Mar 18, 2020 ⏰

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