Primeiro conto

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PARTE 01

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Os meses que antecederam a grande invasão do exército Rus à Escandinávia foram como dias de tensão no Palácio em Kiev. Os soldados de Oleg preparavam um pesado armamento, ferreiros buscavam carvão para a forja, mulheres aprontavam agasalhos e comida para seus maridos e filhos. E os navios já estavam abastecidos com suprimentos que durariam a viagem toda.

Tudo estava decidido. Navegariam pelo Mar Báltico até a Costa de Kattegat e um outro grupo seguiria pelo Golfo da Botnia, atravessando a Suécia até desembarcaram na Noruega e assim todos seriam surpreendidos com novos ataques ao mesmo tempo.

Oleg estava animado com as futuras conquistas e logo pediu para que aprontassem um banquete àquela noite, um jantar que marcaria a partida do Grande Exercito Russo.

Tudo parecia caminhar bem, até o Príncipe de Kiev entrar em sua benheira e adormecer ali brevemente, relaxando seu corpo sob a água morna, como lhe era de costume.

Contudo, daquela vez foi diferente. Oleg não apenas cochilou, mas foi também acometido por um sonho que perturbou profundamente seu espírito.

Sonhou ele com ossos quebrados, e uma coroa feita com crânios de corvos. As aves negras dançavam agitadas pelo céu e Ivar estava parado no píer, observando o mar. Ao lado dele estava o jovem Igor e ambos eram aclamados em diversas línguas por uma multidão que vinha atrás. Oleg também estava ali, porém ninguém parecia notá-lo. E ao abaixar a cabeça, ele viu que havia um grande buraco em seu peito e dele escorria uma água muito fria, que chegava a ensopar sua túnica.

Oleg então viu Ivar andar até ele.
Sim, ele estava andando, sem moleta, sem aparelhos de ferro, sem nada que pudesse servir de apoio. Simplesmente se movia como um homem comum, mas seu olhar não era comum, estava mais azul do que jamais esteve e em sua mão trazia o coração de Oleg, uma pedra de gelo que pingava entre seus dedos como que derretendo.

Ivar encarou o Príncipe de Kiev fixamente e então esmagou a pedra com força até que ela se quebrasse feito vidro e seus cacos se espalhassem sobre a madeira úmida formando assim uma grande poça de água.

Quando Oleg despertou do terrivel sonho, o sol já havia desaparecido atrás dos cumes de Kiev. Era a hora do banquete.

*****

A festa transcorria perfeitamente no salão do Palácio. Mulheres e homens dançando, bebidas e frutas sendo servidas como se nunca fossem esgotar, e até o recém-chegado Hvitserk se divertia ensinando aos soldados os jogos e canções comuns entre os vikings, e buscando entender, sem sucesso, o estranho idioma que os guerreiros cristãos falavam.

Katya estava ainda mais exuberante do que o habitual, conversando com as damas da corte e tendo por companhia Igor, a quem mantinha por perto o tempo inteiro.

Oleg, contudo, não conseguia se concentrar em nada. Sentado na ardonada cadeira de cobre, ele observava todo o salão, dispensando qualquer um que se aproximasse para puxar assunto. Seria inutil tentar focar em alguém quando não tirava os olhos de seu hóspede Ivar.

O aleijado sequer percebera que estava sendo vigiado. Entretido com a embriaguês de Hvitserk e do comandante Ganbaatar, ele ria das historias do irmão e de seu horrível desempenho em pronunciar uma só palavra russa.

Naquele instante, assistindo à um Ivar distraído, Oleg percebeu imediatamente que adorava o sorriso do Ragnarsson. Fosse ele um sorriso cínico, uma gargalhada divertida ou um simples entreabrir de lábios, Oleg adorava Ivar. Não apenas o fato de ambos terem uma personalidade tão parecida e histórias tão semelhantes, mas tudo no antigo Rei de Kattegat o atraía. Principalmente seus olhos e a forma como encarava os inimigos toda vez que estava cogitando algum plano.

O Sem-Ossos certamente não sabia que tinha esse efeito sobre o Príncipe de Kiev, mas ele tinha. E Oleg já não conseguia mais suportar toda a autorepreenssão que sentia por ser um cristão e desejar outro homem. Vinha contendo seu desejo desde que o rapaz chegara aos portões do Reino. Ele o desejava em sua cama, e às vezes chegava a ser doentio o quanto Oleg gostaria de tomá-lo para si como um pertence.

E por isso em sua lua de mel, agarrara sua esposa Katya e a fodera na frente de Ivar

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E por isso em sua lua de mel, agarrara sua esposa Katya e a fodera na frente de Ivar. O Príncipe gostava de se exibir para o desossado, provocá-lo de todas as formas possíveis, mesmo que fosse para fazê-lo sentir ódio, só o que importava era chamar sua atenção, mostrar-se para ele. E como não podia lançar sua volúpia no aleijado, a lançara na princesa, livrando-se assim de toda a excitação que Ivar causava nele.

Aquele maldito viking só podia ter sido enviado pelo próprio Satanás para tentá-lo.

Mas isso não importava mais. Não após o sonho profético que tivera.

Ivar iria ser a sua ruína, Oleg sabia bem disso. Seria morto por ele e o Sem-Ossos tomaria tudo que era seu. Afinal, não era isso que faziam os vikings? Pisavam em terras que não eram deles e levavam tudo que queriam. Ivar não era diferente, era apenas mais inteligente que a maioria dos bárbaros e sabia jogar a seu favor.

Mas o prenúncio da própria morte causava uma grande inquietação em Oleg, o Principe mal conseguia engolir um copo inteiro de vinho sem sentir o estômago revirar-se de ansiedade. Tinha que dar um fim àquilo. Dar um fim ao aleijado ou do contrário, ele é quem seria seu ceifador.

Todavia, antes de ascender Ivar à sua adorada Valhalla, Oleg pretendia tê-lo como amante. E ele o teria. Mesmo que fosse uma única vez.

E vendo que o Ragnarsson se recolhera ao seu aposento mais cedo que o previsto, Oleg levantou-se rapidamente e tambem deixou o salão, seguindo-o até o quarto sem que o próprio Ivar percebesse.

Se Os Monstros Pudessem Amar Onde histórias criam vida. Descubra agora