Meu próprio Clichê

Capítulo #1

Estava na fila, rodeada de garotas e gays alucinadas, havíamos até nos numerado por ordem de chegada pra entrarmos da maneira mais organizada do que o show extra no dia anterior. Aliás, bem que a definição de "extra" no dicionário significa incomum, porque eu nunca tinha visto na vida algo extra vir antes do principal, como esse maldito show do dia 29/11/2019.

Documentos em mão, assim como meu coração que não desacelerava por nada. Já havia feito algumas amizades enquanto aguardava ainda na rua do estádio, e todas nós compartilhamos nossas histórias, de onde viemos e de como conhecemos o Shawnzito. Algumas vieram de uns estados bem longe e pacatos, onde uma tour internacional nunca enxergaria, só pra poder ver o cabritinho de perto.

- Eu esperei um ano pra poder vir pra cá, foi meu presente de aniversário.- disse Anna, uma das meninas que veio de longe

- O que você ta achando daqui??- perguntei puxando assunto

- Bem legal, mas eu não consegui passear muito porque não sei se vou conseguir pagar a fatura do cartão.

Sim amiga, eu te entendo.

Ainda em pé na fila, ouvimos uma manifestação dos organizadores perguntando se já estava tudo certo para nossa entrada, com os ingressos todos em mão. Todos gritaram que sim. Depois perguntaram se tínhamos alguma coisa que queríamos entregar para ele, eu bem que tinha pensado em escrever uma carta, mas já que ia ver ele no Q&A não tinha porque. Então depois de mais uns vinte minutos começamos a entrar no estádio, todo mundo feliz, tirando sélfies, mães empolgadas tirando foto das filhas histéricas e o povo do estádio brigando quando a gente saia um pouquinho pra fora da fila.

Apresentei meus documentos com as mãos trêmulas, mas graças a Deus estava tudo certo, identidade verdadeira e comprovante de pagamento em dia, não ia ser agora que eu ia passar vexame. Peguei meu crachá, e entrando mais no estádio revisaram minha bolsa e passaram um detector de metal pelo meu corpo, eu gelei, nunca se sabe quando pode ter uma moeda perdida em algum furo de um bolso e se eu fizesse aquele coiso disparar seria o meu fim. Também ganhamos um pin da florzinha do álbum, um passaporte da tour e eu já estava toda panfletada de shawn mendes de tour dos pés a cabeça.

Eu Anna e o reto das meninas do grupinho paramos numa das lojinhas dentro do Alianz pra comprar um dos moletons belíssimos da tour mas os cretinos do VIP gold já tinham comprado tudo, então ficamos com as blusas de manga longa de tamanho G que tinha sobrado, e sinceramente deve ter sido um sinal do além porque foi exatamente o dinheiro que eu tinha sobrando no cartão. Voltamos pra fila e além de umas 50 meninas na minha frente, ainda tinha uma fila inacabável atrás de mim, nunca vi tanta gente iludida em um lugar só.

Durante todo tempo Cleiton não parava de me mandar mensagem, essa bixa estava mais emocionada do que eu e queria saber tudo que estava acontecendo, ele tinha ficado na pensão  e certeza que estava cheio de inveja, mas a culpa não é minha que ele não tinha dinheiro pra comprar o ingresso.

*-BISCATE

-Você gastou com moletom e não quis me pagar nem uma COXINHA hoje cedo

-Eu tenho minhas prioridades*

Então me lembrei da cena desta manhã, o amor da minha vida bem na minha frente na padaria mais cara do bairro, onde eu tinha recusado comprar a coxinha pro folgado do Cleiton. As meninas contaram que souberam da passada dele pelo local mas nenhuma havia presenciado, só eu, mas claro que eu não contei porque de invejosa de olho em mim já basta Cleiton. 

Minutos viam e iam e nós continuamos esperando a desgraça do meet & greet acabar, os horários do cronograma se aproximavam e nada. Estava tão ansiosa enquanto esperava na fila que minhas pernas começaram a enfraquecer, então lembrei que não era paixão que me assolava e sim fome. Não tinha comido na na padaria, e na pensão muito menos porque demorei demais escolhendo meu look e esqueci de ajudar a Dona Neiva, que não estava nem perto de terminar o almoço no horário que eu saí de lá.

Vi algumas pessoas se sentando e fui de maria vai com as outras antes que me estatelasse no chão desmaiada, continuei mandando mensagem pra Cleiton, que tinha ficado sem paciência, ou bateria, porque parou de me responder, e os minutos passaram...

e passaram...

e nada.