prólogo

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Eu estava no final do nível 3 do Playstation, ia atingir pela primeira vez o nível 4, quando Caveira entrou berrando na sala e me desconcentrou. Perdi no Playstation e amaldiçoei todas as encarnações do Caveira por aquela grande tragédia. Tinha 12 anos na época, e aquele seria o grande feito da minha longa vida até aquele momento.

— Você não vai acreditar no que tenho pra te contar!!

Caveira estava muito agitado, o que o deixava ainda mais parecido com uma caveira. Tinha esse apelido porque era muito magro quando criança, e seus ossos se destacavam sob a fina pele do rosto e os cabelos pretos. Ele pulou no sofá e me olhou.

— É bom que seja algo realmente importante, porque vou te matar depois que você me contar. Eu estava muito furioso, mas Caveira parecia não se importar.

— A Juju vai embora — disse ele de uma vez, só que eu quase não entendi.

— Como assim, embora? — Franzi a testa.

— Embora, vai embora de vez. Vai sumir das nossas vidas pra sempre! A alegria do Caveira era quase contagiante, mas eu ainda estava receoso com aquela novidade. A notícia era tão boa que até me esqueci do desastre do Playstation.

— Embora pra onde? Por quê? Quando? Você tem que explicar isso direito. Nessa hora eu já estava totalmente envolvido pela súbita alegria que invadiu meu corpo.

— Pra Porto Alegre, longe daqui. Vai embora pra não voltar nunca mais. Tudo bem que nunca mais não existe, mas aos 12 anos você não pensa nisso, e nunca mais significa o maior tempo possível que se pode desejar na vida. E Porto Alegre fica bem distante de Rio das Pitangas, cidade onde moro, em Minas Gerais, então pouco me importava quanto tempo duraria nunca mais.

— Ela vai quando? Por quê? Fala logo tudo, Caveira, tenho que ficar igual sacarolha tentando tirar informações de você! Juju, uma menina chata de 8 anos que morava na casa em frente à minha, ia se mudar porque o pai tinha sido transferido para Porto Alegre. A cidade fica lá no sul do Brasil, longe o suficiente para nos deixar felizes por muitos anos até nos esquecermos de que um dia essa garota existiu. Comecei a ficar com pena dos meninos de Porto Alegre, mas logo passou. Se eu pude conviver com a Juju e aturá-la por muitos anos, eles poderiam ficar com ela para sempre.

— Ela vai amanhã de manhã — confidenciou Caveira. Senti um misto de alegria, alívio e... tristeza? Imagina! Ia me livrar daquela chata que vivia atrás da gente e dizia para todo mundo que era minha namorada e iria se casar comigo. Argh! Não podia estar mais feliz, exceto pelo incidente do Playstation. Mas Caveira dessa vez estava perdoado.

— O Beto já sabe?

— Já. Ele também está feliz.

— É claro que está. Vamos ficar livres daquela mala da Juju.

— Agora os Três Mosqueteiros podem ficar em paz! —berrou Caveira, fazendo uma alusão à nossa brincadeira. Beto, ele e eu éramos tão unidos que todos no bairro nos chamavam de Os Três Mosqueteiros. Onde um estava, o outro estava. E era sempre um por todos e todos por um, mas a chata da Juju vivia atrás da gente falando que era o D’Artagnan. Onde já se viu, D’Artagnan mulher? Fiquei a tarde toda pensando naquela notícia maravilhosa, até que a campainha da minha casa tocou e minha mãe veio ao meu quarto avisar que eu tinha visita. Sabia que boa coisa não era, porque Caveira tinha ido embora fazia pouco tempo, e Beto, naquela hora, estava na aula de inglês. Quando levantei os olhos do gibi do Homem-Aranha e vi Juju parada ali na porta, meu estômago revirou. Minha mãe saiu e Juju ficou ali, me encarando com aqueles olhos pretos que se destavacam no rosto branco e sardento.

— O que você quer? — perguntei secamente, para demonstrar que não queria conversa.

— Estou indo embora amanhã — disse ela, com a voz um pouco chorosa, e isso quase me fez sentir pena. Quase.

— Tô sabendo — respondi com desdém. Fiquei olhando para Juju, e aquele silêncio chato e incômodo pairou no ar.

— O que você quer? Dizer tchau? Tchau. Estava sem paciência para dramas de despedida, que as meninas adoram fazer.

— Quero pedir um favor — disse ela, baixinho. Um favor? Gelei. O que poderia ser? Fiquei com medo, mas não demonstrei, porque meu orgulho não a deixaria ver que eu havia hesitado. A pergunta era inevitável.

— Que favor? — Forcei ao máximo para a voz não falhar.

— Posso ser o D’Artagnan? Virei os olhos. Ser o D’Artagnan? Era isso que ela queria? Confesso que senti um grande alívio, porque nunca se sabe o que esperar de uma menina. Olhei sério para a Juju e senti pena. A garota ia ser mandada para uma cidade a quilômetros da nossa, nunca mais teríamos notícias suas e era isso que ela queria? Apenas isso? Mas é claro que eu não facilitaria pra ela. Ver a Juju sofrer me fazia bem.

— D’Artagnan não pode ser mulher. — Fui firme.

— Por favor...

A sua súplica, com um tom de voz quase implorando, quebrou o gelo do meu coração. Que mal faria? Ela estava indo embora e ninguém iria saber. Podia ir pensando que era o D’Artagnan, mas na verdade nunca seria. Ela estaria longe.

— Ok, você pode ser o D’Artagnan.

— Jura? — O brilho nos seus olhos me fez sentir culpado, mas Juju acabou com esse sentimento assim que se aproximou de mim e deu um beijo molhado no meu rosto.

— Obrigada. E me espere que eu volto para me casar com você — disse ela, indo em direção à porta.

— Isso nunca! — berrei, vendo os cachinhos castanhos saltitarem para fora do meu quarto, enquanto limpava a minha...bochecha com a mão....

A namorada do meu amigoOnde histórias criam vida. Descubra agora