Acordei com a voz da aeromoça pedindo para os passageiros afivelarem o cinto de segurança. Levei alguns segundos para perceber onde estava e com o que sonhava, mas não me lembrei. Raramente lembrava dos meus sonhos, a não ser os poucos pesadelos que me sobressaltavam de noite. Levantei o encosto da poltrona e afivelei meu cinto. Passei a mão no rosto, na tentativa de melhorar o visual e acordar de verdade.
Depois foi a vez de ajeitar o cabelo, que é curto, preto e liso demais. Pela janela, avistei os arredores do aeroporto de Confins, cada vez se tornando maiores. Meu coração se encheu de alegria, sabendo que estava prestes a rever meu pai. Era domingo, final de fevereiro, as aulas começariam dali a uma semana. Com certeza ele estaria me esperando, embora eu tivesse insistido que poderia ir até a rodoviária e pegar o primeiro ônibus para Rio das Pitangas. Não, claro que não, respondeu ele.
Eu já conhecia o velho, mas não custava tentar fazê-lo ficar na cidade me esperando. A aterrissagem foi menos tranquila do que eu gostaria, mas sem incidentes, o que agradeci em segredo. Voar não era comigo, mas um ônibus de Florianópolis a Belo Horizonte também não me animava muito, nem pegar o carro e ir sozinho. Era estrada e tempo demais esperando para encontrar minha mãe, que mora em um lugar maravilhoso, onde adoro passar minhas férias. Peguei minha bagagem e logo avistei meu pai ao sair pelo portão de desembarque. Demos um abraço e fomos para o carro sem que ele fizesse uma pergunta, mas eu sabia que elas surgiriam assim que deixássemos o aeroporto. Dito e feito! Meu pai ligou o carro, saiu da vaga e começou.
— Como foram as férias? Dei um sorriso de canto de boca, sem que ele percebesse.
— Foram boas. E as suas?
— Por incrível que pareça foram calmas. Os professores não estavam muito estressados no final do ano. Meu pai é diretor do Instituto Escolar de Rio das Pitangas, onde estudei até ir para a UFRP, a universidade federal da cidade. Ele se orgulha muito do cargo, que ocupa há mais de dez anos. É um diretor durão, que procura manter os professores satisfeitos e fazer os alunos andarem na linha. Eu que o diga. Fui um aluno mediano nas notas, nem um pouco exemplar no comportamento dentro do colégio e que ainda por cima ouvia o mesmo sermão duas vezes: um na escola, dado pelo diretor, e outro em casa, repetido por ele mesmo, agora na condição de pai. Eu apenas balancei a cabeça, vendo a paisagem do lado de fora. Rio das Pitangas, uma cidade de cem mil habitantes, fica a duzentos quilômetros de Belo Horizonte, então teríamos muito tempo para conversar.
— Como está a Regiane?
— Está bem.
— Só bem? Como vai o casamento com o Deputado? Meu pai não se conformava com o fato de a minha mãe tê-lo deixado para viver com outro homem. O casamento deles vinha definhando desde que eu tinha 10 anos, e quando completei 15 os dois anunciaram o inevitável divórcio. Minha mãe se mudou para Florianópolis, cidade dos meus avós maternos, e lá conheceu Amorim, um político famoso da região que agora é Deputado Estadual.
— Vai bem. Ela está feliz, pai. Ele balançou a cabeça, como se concordasse, mas eu sabia que torcia para que o casamento não desse certo. Suspirei e mais uma vez rezei para que ele arrumasse uma namorada e esquecesse um pouco da minha mãe e, principalmente, de mim.
— Foi muito à praia?
— Ele mudou de assunto.
— Sim. Deu pra enjoar. Meu pai riu da piada, porque sabia que um bom mineiro nunca enjoa de praia. Nas férias, eu sempre ia para Florianópolis desfrutar daquele paraíso desconhecido por muitas pessoas de Rio das Pitangas, uma vez que a maioria dos moradores de Minas Gerais viajava para o Espírito Santo ou Bahia. Minha mãe sempre insistia para meu pai ir junto, mas ele nunca aceitava o convite e dava uma desculpa qualquer relacionada à escola.
— E as novidades? — Perguntei por perguntar, já que nunca havia novidades em Rio das Pitangas. Só que desta vez meu pai me surpreendeu.
— Este ano temos novidades. Sabe quem voltou? Balancei a cabeça. Claro que não sabia quem tinha voltado, mesmo porque não fazia ideia de quem poderia ter ido embora. Ele ficou mais alguns segundos calado, esperando que eu me lembrasse de alguém, mas a última pessoa que realmente me interessava e havia deixado a cidade era minha mãe.
— A Juju — respondeu ele finalmente. Eu franzi a sobrancelha, na tentativa de recuperar aquele nome na minha memória.
— Que Juju? — Não fazia ideia de quem era essa tal Juju.
— A Juju, não se lembra dela? Claro que agora não a chamamos mais de Juju, ela está bem crescida.
— Não sei quem é Juju. — Dei de ombros.
— Aquela garota que morava na casa em frente à nossa. Ela era sua amiguinha. De repente senti um tremor percorrer todo o meu corpo, e péssimas lembranças me vieram à mente.
— A Juju? Aquela chata? Pela cara que meu pai fez, eu devia estar com cara de repulsa.
— Não fale assim, Carlos Eduardo. A Juliana é uma ótima garota. Sempre gostou muito de você.
— Até demais pro meu gosto. — Fiz uma careta ao me lembrar do último encontro com ela. Tinha esquecido completamente da existência daquele ser desagradável.
— Bom, acredito que você pode mudar de ideia quando encontrá-la.
— Não tenho tanta certeza. Eu demonstrava desdém, mas, para falar a verdade, estava curioso sobre a Juju. Como ela estaria? O que teria acontecido em sua vida desde a mudança para... Para onde mesmo ela foi? Devo ter balançado a cabeça novamente. Nada da Juju me interessava.
— A Juliana cresceu e se tornou uma garota muito bonita, agradável e simpática. Ela foi lá na escola fazer a matrícula junto com os pais. Continuei mudo. Juju agradável e simpática? Bonita? Difícil de acreditar.
— Espero que ela não tenha voltado para a casa em frente à nossa.
— Não, está morando umas duas ruas acima. Agradeci em silêncio. Não merecia aquela garota novamente perto de mim. Esperava que ela tivesse me esquecido e não voltasse com aquela história de ser minha namorada. Só de pensar nisso, sentia calafrios. Meu pai mudou de assunto e começou a falar da escola. Eu me desliguei, e meus pensamentos viajaram pelas montanhas de Minas. Chegamos a Rio das Pitangas no final do dia. Fui para o meu quarto, me deitei na cama e dei um longo suspiro. Como era bom voltar para casa! Depois de alguns minutos, sentei na cama e peguei o telefone. Esperei alguns segundos antes que respondessem do outro lado.
— Caveira, sou eu, Cadu. Estou de volta.
— Ora, olha só quem é. Muita farra em Floripa?
— Mais ou menos. E as novidades aqui na cidade?
— Hum....— Caveira ficou em silêncio.
por um longo tempo, como se tentasse organizar as milhares de novidades que poderiam ter acontecido durante minha ausência. Eu sabia que deviam ser duas ou três, mas ele gostava de fazer suspense.
— Temos novidades. Em dez minutos estarei aí para transmiti-las ao vivo —disse ele com uma voz grossa, e desligou.
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A namorada do meu amigo
RomanceA NAMORADA DO MEU AMIGO - Graciela Mayrink - Você trocaria seu melhor amigo pelo amor da sua vida? Na cidade de Rio das Pitangas, nada parecia capaz de abalar a amizade entre Beto, Cadu e Caveira. Quando crianças, nenhum dos três garotos gostava da...