Naquela manhã, acordei com fortes dores no estômago. Eu havia desenvolvido gastrite crônica por conta de passar muitas horas seguidas sem comer ou mesmo dias sem me alimentar direito. A comida era escassa em um país devastado pela pobreza, crise econômica e corrupção. Ao me olhar no espelho, pude me notar pela primeira vez alguns quilos mais magra.
Mas a dor não me deixou permanecer de pé, então me deitei novamente. Somente horas depois de me contorcer na cama levantei-me mais uma vez e abri as cortinas para que a luz do sol entrasse. No entanto, ao olhar através da janela do meu quarto, no terceiro andar do prédio onde eu morava, meu coração ainda teve forças pra bater mais forte de susto, de desespero. Meu corpo tremeu e em poucos instantes meus olhos já vertiam as lágrimas de desesperança, de angústia. Era a ânsia pelo fim de um pesadelo.
Através da janela eu observei a realidade cruel do mundo: pude ver meus vizinhos, no quintal de uma casa velha, com a pintura descascada pelo tempo, dilacerando um cachorro para o cozinharem em uma fogueira improvisada recém-acesa. Não havia nem mesmo gás de cozinha para preparar os alimentos de um modo decente, digno. Mal havia alimento. É isso mesmo que eu acabei de afirmar: os mais pobres, para não morrerem de fome, passaram a comer a carne dos cachorros vira-latas que vagavam pelas ruas, e sinceramente não duvido que muitas pessoas tenham comido seus animais de estimação. Lamentável, triste, assustador! Comer carne de gato e de ratos também fazia parte da busca desesperada pela sobrevivência naquele país demolido pelo algoz de uma política populista e totalitária.
Jamais duvide do poder destruidor de uma ideologia nas mãos corruptas do ser humano, e neste caso eu falo do socialismo bolivariano, tido inicialmente como uma forma de organização política e econômica que, na verdade, foi parte de um culto ao ego fomentado por fins políticos, fins esses que nada têm a ver com as ideias originais de seu fundador. É quase sempre assim: os governantes se apropriam de uma ideologia e a adaptam aos seus propósitos tiranos, às suas ganas pelo poder, opressão e dinheiro. Tudo isso somado à instabilidade do governo, da economia e às sanções e embargos econômicos impostos à minha pátria por parte de governos estrangeiros, tornou meu país um caos de pobreza, fome, morte e revolta.
A náusea insuportável invadiu meu corpo, senti vontade de vomitar depois de ver aquela cena que era o retrato da miséria. Me joguei na cama de novo, encharquei o travesseiro com o choro aflito de quem não aguentava mais tanta injustiça. Independentemente de quem fosse a culpa, fato era que o meu povo estava passando fome, quase não havia comida nas prateleiras dos mercados, a moeda do meu país não valia mais nada. Era preciso o salário de um mês inteiro pra comprar um litro de leite ou um quilo de carne bovina, e isso caso encontrássemos um lugar onde esse produto estivesse disponível. As filas nos açougues pra comprar carne podre eram enormes, afinal comer carne podre é melhor do que morrer de fome.
A sorte da minha família era que, por ter alguns contatos importantes, meu pai ainda conseguia um pouco de comida com amigos comerciantes e fornecedores estrangeiros, o suficiente para não precisarmos comer ratos ou coisas do tipo, mas nada de carnes nem qualquer comida especial, apenas vegetais, como frutas e legumes; às vezes leite, quando muito.
Na realidade, as coisas nem sempre foram assim tão difíceis. Antes de todo o caos se instalar em meu país, nós tínhamos uma vida boa, uma vida digna. Meu pai era um empresário da área de jardinagem e paisagismo, de classe média alta, e minha mãe, uma dedicada dona de casa. Tínhamos carro, casa própria, lucro, até negociações com clientes estrangeiros!
Mas a vida na América do Sul tornou-se um verdadeiro pesadelo quando a gana pelo poder fez com que nosso antigo presidente decidisse redistribuir a riqueza da nação para os mais pobres. É sempre assim: os políticos juram que tudo o que fazem é para o bem do povo, mas, no fim, quase tudo que fazem é para o bem de si próprios. Eles não se importavam se o povo morreria de inanição.
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Razão de Te Amar
RomanceRosa Maria e sua família estão passando por momentos complicados, quase desumanos, em seu país de origem, devastado por uma grave crise político-econômica, que culminou na deterioração social de toda a nação. Em meio à uma inflação descontrolada e o...