Silêncio!

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🌑













O cheiro de álcool infectava o lugar, a podridão se espalhava pela casa aos poucos, igual as ramas do quintal, subindo pelas paredes devagarinho. Mas um lento aterrorizante, não dava para se ver, mas quando se notava ela estava um pouco maior, um pouco mais grossa e difícil de cortar. Tão difícil… até que você desistisse, e a deixasse extrapolar os limites que devem existir entre ramas e bom senso.


Não existia mais palavras naquela casa. Só bebida e remédios. Vários deles, todos com recomendações médicas, de terapeutas até cardiologistas. O que é pior, ter remédios não recomendados, ou ter os que recomendam por que não pode viver sem eles?


Donna não sabia responder… na verdade ela não pensava muito sobre isso, ou sobre qualquer outra coisa que envolvesse se sentir viva. Ela trabalhava como assistente em um escritório de advocacia. Ela aguentava seu chefe lhe direcionando olhares cobiçosos quando estavam sozinhos, e até quando não estavam. Ela parou de usar saltos, parou de usar saia e blusas com o mínimo decote. Mas ainda assim, ele continuava a olhar; passando aquela língua nojenta por entre os lábios, como se apreciasse um pedaço de carne num churrasco de domingo. Donna se sentia violada. O que a impedia de denunciar ou sair daquele lugar cheio de fofocas pelos cantos e traições?! Primeiro, seu marido, outro lixo imprestável, não trabalhava a um ano inteiro, e também… também lhe ocorria, que ela não podia reclamar de apenas alguns olhares, quando seu filho, seu pobre Timmy, fora estuprado por algum ser imundo, que ainda não tinha sido encontrado. Como ela podia reclamar quando isso ocorreu a seu filho? Então ela se calava. Submissa.

Mas por dentro, enquanto ninguém estava olhando, ela se rasgava e autodestruía de dentro pra fora. Imaginando como seria simplesmente parar de existir, sumir de vez. Não faria falta. Não faria mesmo. Mas era covarde. Não tinha coragem de segurar a faca e meter na sua garganta. O sangue escorrendo, a dor dilacerante.

Mas em seus sonhos, hó em seus sonhos… neles, ela tinha coragem. Ela se matava de várias formas, ela se via naquela noite, sozinha em casa, era ela indo abrir a porta e sendo estuprada, depois sufocada até a morte.

Sempre acordava com falta de ar, seu marido não mais do seu lado para lhe confortar, como antigamente…antes, ele lhe afagava os cabelos desgrenhados e a conduzia para deitar em seu peito, um beijo de boa noite na testa e Donna dormiria tranquilamente até de manhã.


Ás vezes, ela sonha com isso, com o passado… acordando em uma manhã ensolarada, calçando as pantufas, ela sentava em frente sua penteadeira, desembaraçava os cabelos e vestia o roupão; descia as escadas devagarinho, para não acordar seu pequeno garoto – não importava o quanto ele crescesse, sempre seria seu doce bebê.

Fazia o café e as panquecas, e assim que a torradeira apitasse, seu marido desceria, lhe diria…

-Bom dia querida…

E então abriria a porta, pegando o jornal, e indo se sentar na cadeira do balcão. Donna lhe daria um beijinho, as vezes um mais demorado, outras apenas um selinho inocente.

E então acordaria Timmy, ela sopraria em seu ouvido até que o menino acordasse. Eles tomariam café, se arrumariam e… e aí, o sonho mudava.


De repente, as risadas, a luz do sol, tudo era coberto pela escuridão, uma brisa fria passava, arrepiando o seu pescoço.

As batidas da porta soavam, mais altas do que deveriam ser.

Timmy se levantava, Donna sabia o que estava prestes a acontecer, mas estava presa, calada, imóvel atrás do balcão.

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