O Vendedor de bonecas
Pris Magalhães
Samira coloca a pontinha da língua na massa gelada do creme de baunilha enquanto caminha devagar na calçada de paralelepípedos. A língua formigando e intumescendo deliciosamente com o sabor glacial do sorvete em cima da casquinha segura em sua delicada mão branca. Ela não deixa de comparar a pele com o tom da massa que agora derrama com o calor de 27º graus e escorre entre os dedos finos com unhas curtas.
Brincando com a saia evasê da colegial, o vento baila e balança a barra do tecido, mostrando os joelhos cobertos com meias brancas 7/8 e deixando à mostra um tantinho de pele juvenil, levantando também as folhas que caíram do grande ipê amarelo em frente à loja do vendedor de bonecas e atraindo o olhar de Samira para a vitrine organizada com as mais belas que seus olhos já viram. De vários tamanhos e cores, vestidas com os mais finos vestidos e cuidadosamente expostas, os exemplares enchem os olhos da garota que sem o menor cuidado espalma a mão suja de sorvete no imaculado vidro para que melhor possa observá-las.
Como um convite velado, de dentro da loja a vitrola toca uma canção hebraica antiga e parece chamá-la para que se aproxime mais, quem sabe uma espiada de perto para conhecer as bonecas do judeu e então, enfiando a casquinha toda na boca, a garota de não mais de dezesseis anos empurra a pesada porta de madeira e vidro e o sininho toca, avisando que um cliente está entrando e ela estanca maravilhada com o interior. Há muito mais ali dentro, arrumadas nos cantos, sobre prateleiras, dentro de caixas no alto, mas o que mais chama a atenção da jovem e franzina Samira é as de tamanho real que estão separadas num espaço da loja, cercadas por um cordão vermelho e iluminadas por algumas iluminarias.
– Meu Deus. – ela exclama estarrecida com a beleza das bonecas.
– Ah, olá. – diz uma voz vinda do fundo da loja.
Samira se sobressalta e vira.
– Desculpe, minha passarinha, não quis assustá-la. – diz o homem moreno de cinquenta anos que vem secando a mão na túnica – Sou Asafe, gostou de algumas de minhas bonecas? – o sorriso gentil tranqüiliza a menina.
– Sim, são muito lindas. – Samira responde ajeitando a mochila da escola nas costas.
– Aqui, use esse lenço. Tem uma mancha no rosto. – ele diz amável. – Gosta de guloseimas, hein? – os olhos negros por trás dos óculos parecem analisá-la.
Samira pega o lenço, passando nas bochechas para retirar a mancha do sorvete de baunilha que ficou ao redor na boca.
– Seus cabelos são muitos lindos, tão claros e escorregadios. São naturais, passarinha? – Asafe pergunta, pegando uma mecha loira.
– Sim, são assim, eu acho. – Samira recua, receosa.
– Seus olhos, são verdes ou azulados? – ele se aproxima, colocando a mão no queixo redondo de Samira para observá-la melhor e ela dá dois passos atrás.
– Verdes. – ela responde e se vira em seguida. – Desculpe, preciso ir.
– Gosta de chocolate, minha passarinha? – ele pergunta. – Eu tenho bombons.
– Não posso comer muito doce. – Samira responde e se encaminha para a saída.
– Ora, não seja boba, o que é um simples chocolate? – ele a segura pelo pulso com uma pequena pressão. – Venha, lhe darei um bombom para que volte amanhã. – dizendo isso ele sorri carinhosamente e a solta.
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O Vendedor de Bonecas
Short StoryNa gostosa tarde de verão em que o sol clareia os paralelepípedos e o vento brinca com as folhas caídas na calçada, Samira caminha enquanto passeia com a língua pelo sorvete em sua mão, distraída e inocente quando vê a vitrine do vendedor de bonecas...