Dia seguinte

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Colmar, França, 1858.

Os pés descalços pisoteavam quaisquer bons modos que lhe eram predestinados desde o nascimento, caminhando amornados como o final de junho e despertando as expressões embriagadas de sono, em cada nova envidraçada janela que decorria entorno do quarto. As mãos aveludadas pesavam com as cortinas afastadas, incomparáveis aos bons quilos de tecido do vestido branco que lhe tiraram noite passada, trazendo além de seu dinheiro, suas terras e renda, e todo o seu ser, para Boissonnet, o mesmo que lhe fizera cócegas a silhueta com a barba feita correndo seu corpo despido, boas horas atrás.

A torrente luz solar encheu ao cômodo com o último pesado par lhe beirando aos calcanhares e nem mesmo todo o banhar sob as cascatas firmes ao quase meio céu seriam incômodas como o licor ainda cravado em sua garganta, por vezes questionando as retinas de seu cérebro em tamanhas memórias que cabiam enésimas exclamações de seus desgostos sempre bem aparentes.

Recordava-se do baile branco conforme explorava os corredores longínquos daquele andar superior, se quer havia encostados seus pés na noite anterior e tão pouco conhecia além do quarto que amanheceu logo cedo. Outrora, a última ocasião em que vestiu tal tom, acompanhando este mesmo ao esmalte perolado do sorrir orgulhoso da mãe, ou como ela vibrava em cada nova muda de maio que plantavam em frente a sua casa ao último dia de abril, outrora, em todos estes eventos carregaram em si a mesma infelicidade.

Da praça central com as luzes amareladas da noite, Dinah pode vislumbrar o jardim imenso que circundava aquela residência ao ponto mais alto daquela vila, mesmo que até aquele momento não havia corrido além das próprias escadarias e descansado numa das cadeiras almofadadas da sala de estar. Nem mesmo em seus bons romances esperariam por Liam em casa, sequer um momento como aquele, do qual presumia ter atendido meia dúzia de seus clientes dos mais esmaltados sorrisos, a comparar com a morena, aos amarelados de todas a formas hepáticas que poderia ter.

O aroma de erva-doce sucumbiu o chambre de seu robe antes mesmo que qualquer um de seus sentidos, uma vez que escorregando seus ombros em tamanha indisposição por levantar dali tão cedo. Provavelmente o faria se não os passos apressados para servir sobre um dos aparadores a porcelana aquecida em névoa fervente dançando sobre a xícara que lhe era oferecida sobre a mesa de centro.

─── Perdoa-me a demora, Madame Boissonnet. ─── Chiava em fôlegos mais rápidos que os piscares da outra que, ao obséquio de seus silêncios e confusões retardou a curta informação com um único dispersar dos ombros caídos, fechando as próprias pernas largadas ao sentimento desmedido de tamanha a sua aptidão.

─── Hansen... ─── murmurou dentro de seus sussurros ásperos e curtos.

─── Não recebíamos ninguém desde o último divórcio, não queríamos incomodá-la e tão pouco lhe tirar o sono.

Agradeceu-na com um sorriso mais rasgado que os olhos escuros da negra em sua frente, lhe oferecendo a porcelana com tremor e o calor exagerado que exercia sobre as almofadas de suas digitais, não deixando de notar tamanha beldade além dos cachos presos ou as vestes neutras e nada bufantes. As amêndoas tostadas e beijadas pelo sol loiro do amanhecer tardio não deixaram de correr pelas unhas por fazer, ainda acompanhadas dos resquícios de terra escura e a agilidade corrente que as escondeu atrás da cintura fina, fazendo o mesmo com o arregalar escuro sob os cílios por igual.

Por ventura, Dinah questionou-se se havia respirado além do que o peito ofegante em seus estágios dos mais nervosos pudessem suprir em normalidade. E ela, por outra vez já se colocava a murmurar outra vez:

─── Lhe garanto que apenas lhe sirvo, Madame Hansen. ─── repetia ao corrigir pelos desconfortos evidentes do cenho franzido da mais nova. ─── Foi de bom grado lhe servir com ervas frescas.

─── Perdoe-me a confusão, madame. Normani não o fez em intenção. ─── Interviu a ela uma versão mais calejada da cacheada, amarrotando os palmos por igual ao avental preso em seus quadris mais largos, de olhos rasgados por igual e a comoção dos ombros cansados denunciando toda e qualquer noite mal dormida em vida. ─── Por logo serviremos o almoço. ─── Completou aos beliscos nada intimidados deferidos aos braços expostos da outra, ainda escondendo as mãos atrás de si e não contendo qualquer andarilhar apressado ao cômodo oposto.

Ao baque surdo e ao fundo de seu âmago engoliu todas as reclamações de vida como todo o server aos goles da aromática bebida lhe aquecendo ao cerne e titubeando a consciência fresca. Não havia sequer visto o pequeno mundo ao lado de fora e se quer tomava forças para isso, o seu em particular já havia escapulido por fora as páginas amareladas, dos poemas e poesias adoradas. Colmar parecia tão distante de tudo que nem mesmo os casamentos por amor aconteciam por ali.

E aquele era só o seu primeiro dia, o dia seguinte de sua alma calada aos votos ensaiados. 

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⏰ Last updated: Mar 29, 2020 ⏰

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Madame HansenWhere stories live. Discover now