Capítulo único

9 0 0
                                    

Esperar...esperar...não conheci ainda hoje pessoa alguma que gostasse de esperar, toda essa calmaria deixa uma sensação de desconforto, não que parar seja ruim, mas imagine ficar em uma sala apertada com um monte de gente: velhos que tossem a cada minuto, amigas lado a lado fofocando sobre qualquer coisa que tenham visto, e crianças...as crianças...esse tipo de experiência que faz com que eu me arrependa de ter me casado, essas pestes, não quero ser responsável por elas, digo, nunquinho mesmo, tão barulhentas e tão convicctas, estão sempre certas de que merecem o que querem e se não ganham ficam assim: birrentas, não sei se Deus está me testando, porque se estiver lamento lhe dizer que falhei, cada um sessenta avos de segundo que eu passo nessa sala me causa um estresse desnecessário, minha cabeça chega a ficar quente e minha barriga a doer, roo as unhas, mexo nos cabelos, às vezes até tento ler a revista que as enfermeiras fazem questão de colocar nos banquinhos, mesmo que estejam todas faltando a capa e os pedaços importantes da páginas de tirinhas...se Deus tivesse me dado condições de pagar um hospital privado, de poder ter um médico que estivesse sempre ao meu dispor...mesmo assim, percebo que reclamar a essa altura é inútil, pois já esperei muito para ir embora agora, e eu não quero esperar outro mês, já que as coisas são assim nesse tipo de serviço, não?

Acho que ainda não falei sobre isso, mas a infeliz razão de estar aqui hoje é por causa dessa dor desgraça no meu peito, eu não sei bem o que é, e talvez não seja nada, eu digo isso porque ela some e depois volta, às vezes mais fraca e outras mais forte, falei sobre isso com a minha mãe inúmeras vezes e ela sempre dava a mesma resposta: "- Por que não toma um chá? Talvez ajude", ela não é o tipo de pessoa com quem você pode contar se precisar de ajuda profissional, ela sempre acha que está tudo normal, me pergunto o que diria se eu perdesse um braço ou uma perna. De qualquer forma desde que eu me mudei de casa isso não é mais problema dela, certo? Eu tenho que resolver minhas próprias coisas e ir atrás dos meus próprios papéis, embora não tenha sido assim, eu sempre tento pegar a ficha para o exame mas as filas são tão gigantecas que eu sempre penso: "volto na próxima semana", é o tipo de coisa que eu pediria para meu esposo fazer, se ele não perdesse todo o tempo dele com um tal clube de jardinagem, um clube um tanto estranho eu diria, que marca reuniões muitos repentinas, mas não tenho do que reclamar, já que ele sempre chega em casa sóbrio, e isso me basta.

Será que é só impressão ou começamos a pensar de tudo quando o tempo demora a passar? Acho que vou ao banheiro, preciso passar um pouco de pó no nariz, os banheiros por aqui tem espelhos gigantes, que eu não faço questão, não quero parecer estranha por ser mulher e não ser vaidosa, mas acho que já sou suficientemente bonita: minha pele e um pouco escura, e meus cabelos são negros e um tanto longos, meu nariz é um pouco longo mas sempre ouvi dizer que era charmoso, não vejo muitas opções de melhora, também não me importo muito com o jeito como me visto, mas sempre me vejo com uma calça jeans e uma bolsa no hospital, não que eu vá muito ao hospital, eu nunca quebrei o braço ou nada, sempre fui precavida. Tento voltar ao meu lugar mas ele está ocupado, por um idoso, não acredito que isso tenha acontecido tão rápido.

Eu espero, em pé, e tentando fazer o tempo passar mais rápido, chego a ir até o bebedouro e pressioná-lo só para ver a água fluir...eu não consigo parar de pensar na primeira coisa que me vem a cabeça, talvez eu devesse escrever um livro com tantas ideias que tenho agora, eu canto baixo na esperança de me entreter com a música e que com isso o tempo passe mais rápido, em algum momento eu parei de perceber as pessoas que estavam comigo, se eram as mesmas de algumas horas atrás ou outras, eu penso que estou perdendo a atenção, ou que talvez tenha virado minha atenção a outra coisa, e, assim, e somente assim, de forma repentina meu peito arde, talvez eu tenha mais algumas coisas pra falar para o médico quando chegar a tão aguardada hora do meu atendimento, finalmente um assento ficou disponível, talvez eu sente um pouco agora.

Uma criança acabou de chegar, um tipo que não parece que viria para um hospital como esse, um menino com óculos e cabelo liso que aparenta ter uns quatro anos, as enfermeiras comentaram algo sobre deixar ele ser atendido primeiro, ele aparenta ser "especial", o tipo de criança que precisa de um acompanhamento incomum, não sei se a mãe do garoto conhece as enfermeiras, mas ficou batendo papo com elas por um tempo, bom, acho que um na minha frente não vai fazer muita diferença agora, eu estou adormecendo...não lembro quando foi que cheguei aqui mais, e não sei como está lá fora, não sei que horas são, não trouxe relógio e meu celular está descarregado, eu acho que vou praticar alguma meditação, não sei se é o ideal para ficar acordada mas, certamente me ajudará a ficar focada.

Você já sentiu como se estivesse desaparecendo aos poucos?  Como se seus órgãos estivessem se desligando pouco a pouco? Eu não tinha percebido, mas desde que cheguei aqui minha respiração parece incomum, queria que meu esposo estivesse aqui, pra ficar do meu lado, mas ele disse que tinha coisas pra tratar com o clube de jardinagem, iam exterminar as pragas ou qualquer coisa assim, por que eu estou suando? Eu deveria ter aprendido a buscar as coisas por mim mais cedo, isso ajudaria. Se eu tivesse feito esse exame mais cedo... agora que eu parei pra pensar, eu tinha me esquecido, mas fiquei mesmo louca para vir para o hospital depois que senti uma dor enorme no pescoço, naquele dia achei que aconteceria algo, como se minha cabeça fosse deslizar por entre as minhas pernas ou qualquer coisa assim.

Atualização, a secretária está registrando tudo no computador, aparentemente processando os clientes atendidos, é o que garante que o hospital está fazendo o que um hospital deveria fazer, certo? Eu sou a próxima, ou acredito que seja, pelo que eu me lembro da ordem de chegada, depois de hoje não quero voltar no hospital nunca mais.

Ouço meu nome, o médico grita meu nome, será que ele ficou rouco? A voz dele parece menos presente, como se estivesse mais sumida, vou deixar minha bolsa no banco, não imagino que ninguém vá me roubar em um hospital ou ser curioso o bastante pra olhar a bolsa de uma mulher negra com padrões de vida simplesmente aceitáveis. Eu me levanto, tento caminhar, mas esse estresse deve ter mudado alguma coisa em mim, eu sinto como se o chão já não estivesse comigo, onde estou pisando? E então, meu nariz vai de encontro ao chão.



You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Mar 31, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Computando...Where stories live. Discover now