A Varanda e O Mar

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Sehun contemplou mais um de seus desenhos, pela milésima vez, achando-o imperfeito. Nenhum chegava nem perto da realidade. Se fechasse os olhos poderia visualizar mais uma vez aquele que desenhava, mesmo que tivessem se passado tantos anos, afinal ele era apenas um garoto no início da adolescência quando o tinha conhecido.

Respirou fundo e voltou a observar os olhos do desenho a sua frente, eles estavam escuros ali, como deveriam ser, mas não chegavam perto da realidade, porque os olhos dele eram escuros como chocolate puro, escuros como café recém passado, escuros como uma noite sem luar, escuros como não havia em sua caixa de lápis e eles eram dispostos no mais belo rosto oval que já havia visto como uma lágrima perfeita, numa pele tão clara quanto o leite que tomava todas as manhãs ou a tela em branco de seus desenhos. Os lábios eram vermelhos, não daqueles que suas amigas usavam acreditando que isso as tornaria mais bonitas aos seus olhos, mas aquele vermelho puro e único como se ele tivesse acabado de comer morangos frescos ou bebido o mais doce dos vinhos. As mãos eram pequenas, firmes e delicadas e, se ele se lembrasse bem, seu toque era gelado como uma onda do mar num dia quente. Os cabelos claros emolduravam o rosto delicado como se ele tivesse acabo de voltar de um mergulho.

Sorriu ao se lembrar do principal, a voz, uma voz que era como prata líquida, como um beijo delicado em seus ouvidos. O som mais delicioso que já havia escutado e se negava a acreditar que havia sido apenas uma ilusão sua. Aquele rapaz era real, não apenas fruto dos seus sonhos.

- Mais um desenho dele. – ouviu o amigo comentar se sentando ao seu lado lhe entregando uma xícara fumegante com o líquido forte e amargo que tanto lembrava aquele que dominava seus pensamentos.

Olhou para o mar ao longe onde o sol nascia, estava na varanda da sua velha casa naquela colônia de pescadores, seu irmão mais velho estava em alto mar, assim como o pai deKyungsoo, por isso o jovem estava na sua casa. O garoto mais velho era pequeno e suave demais para o pescado e seu pai vivia reclamando de Deus ter lhe mandado um filho imperfeito, ele sabia que isso magoava o rapaz, mas ele não podia ajudar o outro já que ele próprio era uma decepção para sua família.

Ele não era pequeno e frágil como o outro, que, além disso, tinha uma saúde delicada, não, Sehun era alto e forte, mas quando mais novo, o barco onde ele estava tinha se partido e ele quase morreu afogado, porém por uma sorte do destino tinha sobrevivido, sorte essa que seu pai não havia tido e sua mãe e irmão pareciam lhe culpar pela morte prematura do homem mais velho, não que algum deles alguma vez tivessem proferido tais palavras, mas ele podia ver em seus olhos diariamente, principalmente quando a fobia pelo mar se manifestou.

A varanda da sua casa era o mais perto que conseguia chegar daquele lugar e mesmo ali, ele sentia seu corpo inteiro tremer e tentar fugir, mas se obrigava a permanecer no lugar dia após dia na esperança de reencontra-lo, como se ali pudesse estar mais próximo daquele que retratava de maneira tão imprecisa em seus desenhos.

Kyungsoo, seu único amigo num lugar onde não ir ao mar só trazia desgosto, sabia de seu esforço e sempre vinha lhe fazer companhia, ele também era o único que sabia que a sorte de Sehun ter sobrevivido naquela tempestade tinha feições angelicais. Nunca teve coragem de contar a sua mãe ou irmão sobre o jovem que tinha lhe tirado do mar, sabia que ambos lhe chamariam de louco, ou diriam se tratar de algum delírio traumático, mas Kyungsoo tinha ouvido a história, com seus grandes olhos curiosos, e parecia encantado com cada detalhe da narrativa.

- Você acha que ele existe mesmo? – perguntou Kyungsoo após um gole do café também observando o mar a sua frente. A imensidão que tanto o atraia e perturbava.

- Eu sei que ele está lá. – respondeu Sehun calmo.

- Mas nunca vai encontra-lo se tem medo do mar. – disse o rapaz encarando o mais novo.

A Varanda e O MarWhere stories live. Discover now