Lombriga com dor de barriga

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O brilho irritante que atravessava a fresta da janela e a fina cortina, veio direto ao encontro dos meus olhos. Irritado, puxei o travesseiro sob minha cabeça e o coloquei em cima do meu rosto para finalmente voltar a dormir tranquilamente. Hoje seria meu último dia de férias, o último dia que poderia acordar tarde.

Para a minha infelicidade, ouvi alguns sons barulhentos do lado de fora, assemelhava-se a sons metálicos, grunhidos e um motor que supus ser de um caminhão, ou talvez um ônibus. Eu tirei o travesseiro do meu rosto e, inexpressivo, encarei o teto por alguns segundos.

Eu só queria dormir, caralho!

Levantei sem disposição alguma, movido apenas pela força do ódio. Abri as cortinas e a janela para espiar quem era o infeliz que tinha a coragem de fazer barulho no domingo de manhã às sete horas. Aliás, quem era o desgraçado sem coração que acordava cedo no domingo?!

Para a minha surpresa eu havia acertado na suposição: era um caminhão de mudança. Alguns homens carregavam móveis pesados para a casa vizinha da minha, que estava a venda já há algum tempo. Eu me apoiei no peitoril e observei a cena com raiva misturada com desânimo. Não conseguiria voltar a dormir até tudo acabar. Inferno!

Fiz tudo que precisava fazer e sai do meu quarto. Na cozinha minha mãe e meu pai estavam pondo a mesa para o café da manhã. Minha mãe fazia o que eu supus, pelo cheiro, serem panquecas e meu pai calmante tomava um café sentado a mesa.

— Que bicho te mordeu? — Quando notou minha presença, minha mãe zombou. — Acordado há essa hora, só um bicho 'pra ter te mordido.

Fiz um muxoxo desgostoso e sentei-me a mesa.

— Tem a merda de um caminhão de mudança fazendo barulho!

— Olha a boca, Katsu. — Meu pai me repreendeu sorrindo gentilmente, mesmo sabendo que era inútil. Apenas cruzei os braços e revirei os olhos irritado.

— Nossos vizinhos novos, vou passar lá para dar as boas-vindas. — Minha mãe disse alegre, após eu terminar de mastigar uma fatia enorme de panqueca com mel. — Você quer vir junto, Katsuki?

— Nem fodendo. — Minha mãe me deu um soco na cabeça, que doeu 'pra um caralho. — 'Tô nem aí 'pra eles, foderam meu sono.

Levei outro soco. Minha mãe precisava acalmar os nervos dela. Ela fala coisa pior que eu!

— Cala a porra da boca moleque!

Depois dessa, preferi comer quieto. Meu pai ligou a TV e viu uma reportagem falando de um caso novo na cidade; como ele era policial, ficou atento a todas as informações e depois soltou que era muito preocupante, pois nunca havia acontecido nada parecido na nossa cidade pequena e minha mãe ficou apreensiva com aquilo.

Eu dei de ombros e fiquei mexendo no celular, no grupo onde Kaminari, Mina, Sero e Denki — meus amigos desde sempre, até hoje penso que merda eles tem na cabeça 'pra me aturar —, falavam um monte de porcaria inútil e mandavam umas figurinhas. Eu falo isso, mas não é como se eu não tivesse me juntado aquela conversa também. Perdi um bom tempo da manhã naquele grupo, até me cansar e ir para o meu quarto pegar meu fone de ouvido.

Ao entrar no quarto, procurei em todos os cantos, até debaixo da cama. Quando, por sorte ou azar, tomei a decisão de olhar através da janela e dei de cara com algo um tanto surpreendedor no quarto da casa vizinha.

Puta que pariu, que porra era aquela?!

De costas, uma garota dançava animadamente com uma vassoura nas mãos e um fone de ouvido rosa e branco enorme com orelhas de gatinho fofas. Ela remexia o corpo de forma desengonçada, os braços indo 'pra lá e 'pra cá e as pernas balançando para lados aleatórios. Mas, mesmo assim, tomava certo cuidado para não tropeçar nas caixas de papelão presente em todos os cantos do cômodo. A garota mais bagunçava do que realmente varria o chão. Os cabelos marrons, presos em um rabo de cavalo, rodavam de uma maneira cômica e até que fofa.

Estático, eu fiquei encarando aquela cena estranha com interesse. Não era todo dia que via uma desconhecida dançar como uma criança desprovida de coordenação motora, na casa ao lado que ninguém morava fazia anos, além dela usar o cabo da vassoura como microfone e guitarra ao mesmo tempo. Seja lá que música ela estava ouvindo, só sei que era animada 'pra caralho...

Soltei uma exclamação de surpresa e franzi o cenho quando a vi rebolar até o chão em uma tentativa falha de sensualizar... Pra quem? Para a porra dos ursinhos de pelúcia em cima das caixas?!

Após ir até o chão, resolveu que iria repetir o feito sensual, enquanto rodava o seu corpo até... Dar de cara comigo a olhando como a merda de um stalker psicopata.

A garota me olhou e, imediatamente, soltou um grito agudo, ela também abraçou a vassoura com força. Finalmente consegui olhar para o rosto dela, que era redondo, e com bochechas gordinhas. Mesmo com os apavorados olhos castanhos dela sobre mim, eu não emiti nenhum barulho, mas em compensação arregalei meus olhos e senti meu rosto queimar por ter sido pego olhando algo que não deveria. Mas porra! Ela devia ter fechado a merda da janela!

Em desespero, e com o rosto mais vermelho do que sabe se lá o que, a garota correu até a janela, tropeçando nas caixas e fechou a janela com tanta força que pensei que iria quebrar ou trincar a parede. O que me surpreendeu, pois aquela garota baixinha não aparentava ter tanta força.

Eu comecei a sorrir de nervoso e graça ao mesmo tempo, passei as mãos nos meus cabelos loiros e resolvi deixar para lá. Provavelmente aquela garota era minha nova vizinha e, com toda certeza, ela nunca iria mais olhar para minha cara depois dessa vergonha histórica.

Voltei a minha procura do fone perdido.

Achei dentro da gaveta da minha escrivaninha. Deitei na cama e conectei no celular, coloquei no ouvido e botei a playlist que mais gostava. Quando ouvi uma voz fina chamando incessantemente.

— Ei! — Tirei um dos fones e olhei para a direção da voz. — Garoto!

A garota, a da cara redonda, e que ainda estava vermelha, deitava sobre o peitoril da janela, quase com o corpo todo para fora.

Levantei e fui até a janela.

— Você é louca? Tu pode cair daí, cabeça de vento! — Eu disse porque, aparentemente, aquela criatura não tinha senso de perigo.

Ela fez um biquinho e fechou a cara, as bochechas gordas ficaram ainda maiores.

— Escuta aqui, stalker, não conte isso para ninguém.

— Eu não sou stalker. — Disse irritado. — Você que resolveu dançar como a porra de uma lombriga com dor de barriga, com a janela aberta! E quer colocar a culpa em mim?! Eu 'tô no meu quarto, caralho.

— Você não tinha que tá olhando aqui 'pra dentro. — Cruzou os braços sobre o peito e empinou o nariz. Acho que ela quis parecer intimidadora, ou algo do tipo, mas só pareceu uma criança fazendo birra. — Enfim, não conte nada 'pra ninguém, é isso.

A garota fechou a janela antes que eu pudesse responder.

Mas que caralhos...?!

Little MysteryWhere stories live. Discover now