Quando Abrir os Olhos

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Eu acordo e ela ainda está ali, na beira da minha cama.

Seu corpo sem forma flutua, um vulto negro, seu rosto sereno e os olhos fechados.

Suspiro em alívio.

Dizem que quando a morte abre os olhos é porque você está prestes a morrer.

Ela apareceu há duas semanas e desde então o tique-taque me consome, me sinto uma bomba relógio prestes a explodir.

Quando abrirá os olhos?

Será um acidente?

Assassinato?

Vai doer?

A hipótese de uma doença foi descartada na semana passada quando fiz uma bateria de exames.

O despertador toca novamente, levanto e vou ao banheiro, fecho a porta e ela entra em seguida. Não existe conceito de privacidade para a morte. Abro o chuveiro e deixo a água cair. Deveria largar tudo e fazer aquela viagem para Tailândia, o problema é que já ouvi histórias de pessoas que viram a morte durante anos antes de finalmente morrer. Largar tudo, gastar toda a grana e depois morrer de fome.

Será essa a ideia?

— Morte, a senhora é cruel.

Ela não se mexe um só centímetro, nenhuma expressão alterada. Termino de me arrumar, saio do apartamento e desço os sete andares pela escada, ficar trancado com a morte em um elevador não é uma ideia muito agradável. Caminho até o metrô da Vila Madalena com cuidado redobrado ao atravessar as ruas, desço na Brigadeiro, o trajeto todo em sua companhia. Fico imaginando quantas pessoas também estão vendo suas mortes e fingem que nada está acontecendo.

Paro na calçada e espero o semáforo para pedestres da Avenida Paulista abrir, vasculho os rostos das pessoas. Minha atenção é atraída por uma garota que tem o olhar fixo para o nada.

Será que ela está somente perdida em seus pensamentos ou admirando sua morte?

Estou obcecado por esse assunto. Até mesmo funerárias estão aparecendo em links patrocinados no meu Facebook.

O semáforo abre e enquanto atravesso a faixa, por um reflexo, olho para o lado. Congelo. A morte me olha. Olhos negros penetrantes .

Fodeu.

Vou morrer.

As buzinas dos carros me assustam e saio do choque em que me encontro. Sigo para o escritório. E agora? Serei atropelado? Assaltado?

Chego ao meu destino sem que nada aconteça. Cumprimento a recepcionista e sigo até a escada. Penso melhor, a escada não é uma boa ideia, a uso todos os dias e a morte sabe, deve estar contando com isso. E se eu cair da escada, quem irá me socorrer? O elevador é melhor, mais movimentado, com câmeras. Chamo o elevador, três pessoas entram comigo. Suspiro aliviado quando chego ao quinto andar, já estou me sentindo um sobrevivente. Miro os olhos da morte, ainda é muito cedo para comemorar.

Sento em minha mesa e ligo o computador.

— E aí, Bruno!

— Oi.

Viro os olhos para o lado e vejo Rodrigo. Ele tem as sobrancelhas encurvadas e me olha com pena.

— Cara, você está suando, veio correndo?

— Ah, é... Perdi a hora.

Passo a mão pela testa, está mesmo suada. Limpo na calça.

— Melhor dar um jeito nisso aí. – diz com um sorriso enquanto coloca sua mão em meu ombro - Tem reunião às nove.

Quando Abrir os OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora