As Cartas Não Mentem!

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por Felipe Oberon

A princípio a menina e os amigos tinham ficado um pouco irritados com o prazo dado pela professora para produção de um curta. Mas quando Mariana contou sobre a carta todos se empolgaram.

Agora eles estavam no apartamento dos pais de Ricardo, que ficava na avenida Dante Michelini, de frente para o mar de Vitória e enquanto ela falava ao telefone na varanda do amplo apartamento não podia deixar de lamentar que uma praia tão pertencente no cotidiano da cidade pudesse ser imprópria para banho.

- A gente devia era fazer um curta denunciando essa poluição toda, uma praia dessa e não dá pra tomar banho?

- Nem inventa Mari, a carta da sua tia vai render coisa muito melhor! E ainda podemos pedir patrocínio pra empresa que polui a praia pra mandar pra algum festival

- Ai, vocês não crescem né? Mas a história é no mínimo bizarra mesmo, vou ler a carta. Já to avisando que é para ouvir até o final, se alguém me interromper eu paro hem?

- Lê logo esse negócio.

Vitória, 31 de outubro de 1994,

Escrevo essa carta para revelar o motivo de nunca mais eu ter voltado a falar.

E como eu poderia? O que eu descobri naquela tarde dois anos atrás acabou comigo completamente, eu estou "quebrada" desde então.

Eu moro num quarto e sala nos fundos de um sobrado na av. Paulino Muller, uma das principais acessos para atravessar a ilha. E apesar disso aqui é sempre muito silencioso pois só é possível chegar em casa entrando em um beco que termina na minha porta.

Ainda assim não posso reclamar que ninguém venha me visitar. Pelo bem ou pelo mal eles vêm. Todos os dias.

Bem, há dias em que não vinha ninguém, mas há dias em que vinham bem mais do que uma só pessoa. A coisa é, naquela época eu não ficava mais do que dois ou trẽs dias sem ver ninguém.

Sou uma cartomante. Aprendi o ofício com minha mãe, que aprendeu da mãe dela, que por sua vez aprendeu de uma tia que era cigana mesmo.

Não terei pudores agora já bem perto da morte e vou dizer a verdade: nunca tive poderes, nunca vi nada de anormal, nunca fui capaz de dizer nada além de que que o sol haveria de se levantar no próximo dia.

O que aprendi com minha mãe acima de tudo foi como dizer as pessoas aquilo que elas queriam ouvir.

É bem verdade que sabia ler a sorte nas cartas. Sabia sim. Mas tudo que eu sabia era o significado das cartas que inúmeras vezes eu mudava de acordo com aquilo que o cliente queria ouvir.

Mas eu pergunto a vocês: o que é que realmente podem querer aqueles que vêm procurar pessoas como eu? Porque elas sempre voltavam.

Tive clientes que me procuravam bem mais de uma vez. Tive clientes que me procuravam por anos. Uma senhora mesmo, uma enfermeira já em vias de se aposentar que morava lá pros lados do Alecrim, lá perto do Hospital Evangélico. Vinha de lá. Atravessava a ponte só para ouvir as minhas previsões.

Disse que se separava do marido se eu adivinhasse se ele tinha amante ou não.

- Não quero saber Dona Iraci, vê aí, vê aí se diz que ele tem outra, porque se tiver eu hoje mesmo largo dele. Largo e saio de casa que eu tenho meu emprego não vou depender de homem não.

Eu na época aconselhei ela a chegar em casa e não fazer nada até a hora certa.

- Não vai fazer nada hoje não. Hoje não é a hora. Tá dizendo aqui que tem uma revelação pra você sim, um segredo, mas não é pra hoje não. Sábado ele vai na feira não vai? Espera ele ir na feira e olha na pochete dele que vai tá lá.

E estava mesmo. Tinha duas cartinhas da menina, uma sobrinha do compadre deles só de dezoito anos.

Mas eu já sabia que da vida dela toda, ela só que era burra e não enxergava.

Aliás foi o que eu aprendi das pessoas: Só enxergam e só ouvem o que querem e quando querem. Foi por isso que fiquei sozinha, e foi por isso que nunca tive filhos também.

Quem quer paz não tenha filhos!

Lembro dessa mesma enfermeira, Lênia ela chamava, quando a filha do meio engravidou com dezesseis anos. Veio me ver e trouxe a menina. Dessa vez achei que ela estava me testando.

Tava tão brava que eu achei até que fosse me bater se mandasse uma previsão furada. Mas eu sempre fui boa e descobrir as coisas e a menina não parava de bocejar, mesmo com a mãe gritando na orelha dela.

Acho que foi com isso que a Lênia pegou confiança em mim mesmo. Saiu rainha de espadas e eu disse que ia ser menina e era alguém mais velha que estava voltando.

Lênia fez a filha dar o nome de uma tia dela que já tinha feito o passamento porque cismou que só podia ser essa tia.

- Se não for fica de homenagem né?

Tinha outras clientes. E só atendia mulheres. Os poucos homens que atendia eram os que vinham acompanhados por mulheres. Minha mãe dizia que esse era o certo. E eu como sempre achei que isso era coisa de mulher mesmo, concordei.

- Se vir homem desacompanhado e desanunciado, fecha seu baralho, vira ele pra mesa e encerra seu dia. Não atende não. Não atende não que é mau agouro.

Mesmo agora consigo ouvir sua voz repetindo essas palavras.

Só lamento não ter me lembrado disso naquela hora.

Teve um dia que tava atendendo alguém. Já era de tardezinha já. Não atendia depois do por do sol então já ia fechar. Acho que a Lênia até veio esse dia. Não lembro agora mas acho que veio.

Quando esse homem chegou, desacompanhado e desanunciado.

Eu deveria ter lembrado, bem do jeito que minha mãe falava, mas eu não ouvi.

A gente não ouve mãe. Deus como eu me arrependo!


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As Cartas não Mentem!Where stories live. Discover now