por Felipe Oberon
Gabe limpava a cerveja de papoula derramada na banqueta preferida de Mestre Phineas.
Em sua mão, um trapo tão encardido que quase não trocou de cor depois de sorver a mancha acastanhada deixada pela bebida que exalava seu aroma forte e amadeirado.
Aquele banco, recortado de um bloco maciço, quase tinha a marca do traseiro do velho sátiro, dono da Taverna "Flauta do Fauno" e o jovem aprendiz agradecia aos deuses, novos e antigos, pelo fato de que o seu abrigador tinha ido até a vila mais próxima para comprar mais suprimentos e garantir que teriam o que comer nos próximos meses.
Não que o menino temesse o velho bode. Mas ele certamente temia perder as gordas gorjetas que recebia ali naquele lugar, e quando estava irritado o velho geralmente o mandava para a cozinha, afastando-o das desejadas moedas que costumavam aparecer quando podia atender as mesas.
Pelo vento gelado que entrava todas as vezes que alguém abria a porta da taverna Gabe sabia que no máximo em duas noites a estrada estaria fechada.
Teria tanta neve que nem mesmo as criaturas mágicas que frequentavam aquele lugar para encher a cara conseguiriam vir.
Era sempre assim. Ele bem sabia.
E na primavera eles retornariam: fadas boêmias do Campo de Flores, com botões de rosas silvestres nascendo entre os seus cabelos, elfos mercenários que ficavam exibindo perigosamente as suas habilidades com lâminas, duendes ladinos que aproveitavam a embriaguez alheia para bater uma ou duas carteiras só por esporte e, vez ou outra, até mesmo os problemáticos trolls, que não raro bebiam tanto que acabavam se esquecendo de voltar às suas alcovas sob pontes e grandes rochas antes do nascer do sol, terminando transformados em pedra enquanto tentavam empreender sua fuga do brilho do astro rei.
Gabe recolheu a caneca vazia de latão do chão e a deixou junto com o pano nojento em cima do balcão.
Saiu apressado se lembrando de algo que deveria ter feito pelo menos meia hora atrás.
Tremeu ao ser recepcionado por uma rajada do vento invernal fazendo seus cabelos negros dançarem e obrigando o menino a se abraçar pra manter-se aquecido.
Pensou mais uma vez no velho enquanto corria para o outro lado do pequeno pátio à frente da taverna, entrando pela porta lateral de um segundo edifício baixo, fechando uma pesada porta de madeira de lei atrás de si assim que foi possível.
Se a taverna fedia a cerveja velha e vinho vagabundo, aquele lugar não cheirava melhor. Principalmente com as baias cheias por causa do tempo.
Contudo, o cheiro de estrume não parecia incomodar nem aos cavalos e nem à figura adormecida sobre um monte de feno no canto oposto ao da entrada da estrebaria.
Gabe dirigiu-se até o homem que vestia um manto de um marrom não muito diferente daquele do pano com que o menino limpava o chão da taverna.
Embora já estivesse acostumado, gabe detestava ter que lidar com bêbados, principalmente daquele tipo, mas o homem tinha prometido que lhe daria uma moeda se o aprendiz o acordasse a tempo da próxima refeição.
Gabe quis se certificar de garantir aquela recompensa logo e voltar a tempo de fechar as contas dos outros clientes antes da nevasca.
Senhor ... Senhor ... o jantar já vai ser servido.
Sem se virar e com um coice o homem manifestou seu descontentamento enxotando o rapaz.
Ele insistiu ainda mais algumas vezes até que o segundo coice o pegou e Gabe decidiu esperar que o estômago do homem o trouxesse para dentro em breve.
Se continuar irritando esse bebum é bem provável que vou acabar roxo e sem a minha moeda.
O menino pensou ter ouvido o som de cascos e acreditando ser o fauno decidiu voltar e deixar o bebum entregue ao abraço de seu sono etílico.
Sobressaltado, o homem se pôs de pé. Suas orelhas sensíveis vibrando por debaixo do capuz, reagindo ao som distante de cascos na neve, um trote implacável.
Entendo... não demora agora.
Se recompondo tomou o caminho da taverna.
Percebendo o movimento Gabe ainda estava à porta e o homem teve a decência de pagar sua promessa e depositar nas mãos do rapaz uma moeda de formato estranho: tinha cinco lados, era meio esverdeada e tinha uma palavra escrita num idioma que o menino não reconhecia.
Nunca tinha visto nada como aquilo. O objeto tinha um tipo de brilho que parecia vir de dentro.
De volta ao interior da taverna, como se fosse uma aparição, o bêbado surgiu sentado de pernas cruzadas sobre o balcão, dedilhando notas melancólicas num alaúde que o menino jamais saberia dizer de onde o homem tinha tirado.
Para saber como esta história termina acesse pelo linktree direto da bio do meu instagram: https://bit.ly/igFelipeOberon ou direto no link da amazon: https://bit.ly/contoMoeda
YOU ARE READING
Moeda
FantasyGabe trabalha há tempo suficiente naquela taverna pra saber quais os clientes dão boas gorjetas e quais não dão. No entanto, alguma coisa naquele bardo enfeitiçado parecia confundir seus sentidos.