Lies

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Correndo pelas ruas iluminadas pelos postes, o som das poças duramente pisoteadas era tudo o que o rapaz se obrigava a ouvir. Ignorando as conversas alheias distantes e o trânsito tranquilo, o que o jovem mais queria era estar só. Queria se perder... Vagar na solidão... Poder se quebrar definitivamente. A corrida continuava interminável, fazendo com que algumas pessoas que assistissem a cena se perguntassem qual era o problema daquele rapaz. Mas não que se importassem.

Apenas queriam julgar.

O jovem apenas parou quando sentiu suas pernas quase cederem, tropeçando de forma horrível e quase indo de encontro ao chão molhado, devido à pequena chuva fina, mas constante. Arfando para trazer o mínimo de paz ao seu peito, sua atitude não teve o efeito que desejava. Não era surpresa. Nada do que fizesse poderia retirar aquela faca cravada em seu coração. Nada purificaria o veneno perigosamente guardado e que agora contaminava seu corpo... Sua alma. Não importava o quanto respirasse pesado e o mais rápido possível para repor seu oxigênio. Ele não tinha mais salvação...

Na realidade, ele não queria mais ser salvo.

Iniciando uma risada baixa e profunda, o rapaz deixou que a breve loucura transparecesse pela primeira vez. Toda a angústia e a vergonha... todo o medo e o desprezo... Tudo o que guardou nos últimos anos estava cobrando seu preço. Cobrando pelo resto de sua sanidade.

Tudo havia começado ao final do ensino médio... Aproximadamente três anos atrás. Sem rumo ou ambição, o rapaz apenas estudou para conseguir se formar. Não apenas ele havia feito isso como todos os seus outros irmãos. Nenhum deles tinha um plano e, como resultado, acabaram sem nada ao final do colegial.

O jovem não tinha amigos. Ele tinha tido colegas de classe. Nenhum deles demonstrou se importar com ele, no fim. Não queriam saber o que faria ou mesmo que caminho trilharia. O rapaz não podia culpá-los. Afinal, nunca sentiu essa ligação chamada amizade, tão conhecida por sua preciosidade. E apesar de saber que nunca teve um amigo, isso o machucou. Trouxe ainda mais um peso em suas costas e uma ferida em sua alma.

Cobrando-se agora, o rapaz se perguntou por que nunca cogitou a ideia de um curso qualquer, porém, logo lembrou-se do motivo. Sua família nunca teve muito dinheiro. Era o suficiente para sustentá-los, porém, nunca seria o suficiente para financiar um ensino superior. E se a oportunidade fosse dada para ele, seus outros irmãos também deveriam receber o mesmo direito. Na época, o rapaz não sabia o que era um empréstimo estudantil. Na realidade, pouco sabia sobre contas bancárias e o sistema financeiro até naquele exato momento. Talvez seu irmão mais novo soubesse, contudo, ele também não havia procurado o recurso.

E isso levou há, no mínimo, um ano inteiro sem fazer absolutamente nada. Não havia arrumado emprego e nem ao menos ajudava em casa como poderia. Independente se seus irmãos faziam o mesmo, ele se sentia cada vez pior por não sair do lugar. E com o passar do tempo, a situação afundava cada vez mais. Os laços familiares, que já estavam desgastados pelo tempo do ensino médio, partiram-se e foram reatados de forma tão precária e ridícula que poderia ser considerada uma comédia. Fingiam se darem bem novamente, fingiam se importar ou que aquele laço nunca tivesse partido... Porém, nenhum deles era cego. Todo sabiam... E era o mesmo para o rapaz.

E, dentre todos, talvez fosse o que mais sofresse por isso. Sofrendo as piores consequências das provocações, xingamentos e abusos. Era ridicularizado dia após dia. Feito de idiota mais de uma vez. E o pior de tudo era que ele se sujeitava a isso. Aceitava a tudo calado e vestindo uma máscara tão pesada quanto as dores de sua alma.

Por isso, sua fuga para a realidade patética e o vazio insaciável em seu peito eram suas mentiras. Mentindo ser alguém que não era, por dizer ser especial. Ou mesmo pela mentira de ser um puro samaritano...

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