Olá, eu sou a Ana, estou no meu quarto agora, imaginando uma forma de fugir. Porém vai ser difícil, minha mãe está na cozinha, chorando como uma louca, não tem como eu passar sem ser vista. Meu pai está na sala, assistindo um jogo de futebol, bebendo uma cerveja e gritando alto, eu vejo a decepção no rosto dele. Se me ver passando, provavelmente vai me falar um monte. Minha irmã mais velha saiu com o namorado, ela vai dormir na casa dele hoje a noite. Ela não é um problema para mim, nunca esteve presente mesmo. Meu irmão mais novo, não está entendendo muita coisa, mas veio me perguntar porque estou chorando, inventei algumas coisas. Minha família estava tranquila até alguns minutos atrás, quando cheguei da escola feliz, sorridente, porém com medo. Eu não sou normal para eles e eu vou contar o porquê.
Há alguns meses eu conheci uma menina chamada Júlia, ela é incrível. A Júlia chegou há pouco tempo na cidade, mas já falávamos pela internet. Quando ela chegou, decidimos sair para nos conhecermos pessoalmente, foi muito legal, fomos a uma lanchonete e depois andamos por uma praça que tem aqui na minha cidade. Fizemos isso diversas vezes mais, até que um dia, finalmente aconteceu o que eu mais queria, nos beijamos. Naquele banco, daquela mesma praça, mas claro, em um banco mais afastado para que ninguém pudesse nos ver.
Aquele, com certeza foi o dia mais feliz da minha vida, eu já estava tão apaixonada que nem percebi que estava beijando uma menina pela primeira vez. Ela me abraçou, me aqueceu naquele frio, me fez carinho e disse que sentia algo a mais por mim. Naquele mesmo instante, eu me declarei. Sim, eu sou uma menina romântica, que sempre sonhou com o príncipe encantado, quem diria que seria uma princesa.
Não demorou muito até que aquilo se tornasse mais frequente, eu sempre inventava uma desculpa para sair de casa, sempre para ir ver a Júlia. Inventava que tinha trabalhos da escola, que ia estudar na casa de amigos. Meus pais nunca desconfiaram que a princesinha deles estava mentindo na maioria das vezes, só para ir passar boa parte da noite naquele banco escuro e frio, daquela praça silenciosa. Porém, mesmo sendo um lugar bem tenebroso, eu sempre esquecia de tudo, do meu medo, do sentimento de apreensão, tudo no mundo sumia ao ver ela chegando, me abraçando e me beijando.
Sempre ficávamos horas e horas conversando sobre tudo, nossos livros preferidos, nossas séries preferidas e nosso gosto musical que era levemente parecido. Falei para ela de um livro chamado "O doce presente de Lua" esse livro fala da história de Lua, uma menina que tem um passado bem difícil, com brigas e diversos desamores que acabam a traumatizando, mas anos depois descobre que um parente distante lhe deixou uma incrível herança, tudo muda na vida de Lua após este fato. Júlia adorou a história e me pediu o livro emprestado, em um dos nossos encontros secretos levei o livro para ela. Em troca, ela me apresentou uma música chamada "O sol brilhou" De início achei o nome bem esquisito, mas ela disse que era da banda favorita dela, a "Alcateia". Também achei esse nome esquisito, mas como era a banda favorita dela, eu resolvi dar uma chance.
Quando cheguei em casa naquela noite, fui direto para o quarto para ouvir a tal música, me surpreendi. A música é simplesmente incrível, fala sobre a vida e como as pessoas fazem dela apenas um motivo de reclamações, percebi que a música fala também de uma pessoa em específico. Uma pessoa triste, que se deixou apagar pela tristeza de está vivo, é uma música bem forte, fiquei me perguntando porque a Júlia gostava tanto dessa música.
Outra noite, quando nos encontramos novamente, perguntei a ela; – Júlia, por que você gosta tanto dessa música? De início ela não quis me falar, mas eu insisti em perguntar, até que ela disse; – Ana, eu já me senti como a pessoa que a música retrata, sentia que o meu brilho tinha se apagado, mas eu venci isso, eu conheci você e tudo mudou, você me apresentou a felicidade e a vontade de viver.
Naquele momento abro um sorriso que não cabia na boca, algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto, mas logo se dividem ao rosto dela também, afinal nos abraçamos como se não houvesse um amanhã. Aquela noite foi uma das mais especiais para nós, pois justo nela, percebemos que nos amávamos de verdade, não era apenas um romance bobo, era amor.
Meses se passaram e nosso amor foi crescendo, Júlia começou a frequentar a minha casa, ficou amiga de todos. Alguns finais de semana ela aparecia bem cedo me acordando, para a gente passar o dia conversando. A noite, lá vinha a Júlia de novo, dessa vez querendo bem mais que só conversar. Assim eram nossas vidas, um amor secreto, porém tão gostoso de ser vivido.
Já estávamos assim há um certo tempo, mas queríamos mais. A nossa maior vontade era podermos nos beijarmos em qualquer lugar, não só naquele banco escuro e sombrio, daquela praça vazia, sem cor e tão triste. Sentíamos que o nosso amor precisaria ser visto por todos, queríamos que todos olhassem para nós e se inspirassem no nosso jeito de ser, queríamos a felicidade plena.
Agora irei falar quando tudo desabou, tudo começou quando saímos na noite passada. Fomos para o mesmo lugar de sempre, lá Júlia e eu fizemos um trato. Decidimos que hoje, nós íriamos falar para nossas famílias que nos amávamos e que estávamos juntas. Assim fizemos, eu cheguei em casa, feliz e sorridente, pois eu seria livre a partir de hoje. Entrei no quarto saltitando, todos me perguntaram o que havia acontecido para eu está tão feliz. Troquei a roupa da escola, liguei para a Júlia e falei que estava prestes a fazer o combinado, ela me disse o mesmo.
Cheguei à sala e chamei todos, meu irmão apareceu com um brinquedo todo quebrado, minha irmã estava descabelada, se arrumando para ir ver o babaca do namorado, minha mãe apareceu estressada porque estava arrumando a casa e meu pai, bom, meu pai já estava na sala, assistindo o jogo com a sua cerveja. Para mim parecia o momento ideal para contar toda a verdade a eles, e foi isso que eu fiz.
- Vocês lembram da minha amiga Júlia? eu perguntei. Todos responderam que sim, claro ela sempre estava por lá. – Ela não é só minha amiga, é bem mais que isso. Ninguém entendeu de início, então eu continuei. – Júlia e eu nos amamos, e todas as vezes que saio para fazer trabalhos da escola, na verdade vou ver ela, porque ela me faz feliz, ela me tira dessa solidão idiota. Ela cuida de mim como uma mãe, me aconselha como um pai e está sempre do meu lado como uma irmã. Eu amo a Júlia como nunca amei ninguém em minha vida, eu mataria e morreria por ela e nada do que vocês falarem vai mudar isso.
Por partes, era verdade, mas o que eu ouvi há alguns minutos atrás, sem dúvida alguma jamais será esquecido. – Eu não sou uma aberração, pai. Eu nunca pensei que um dia falaria essa frase, muito menos, – Não é uma fase passageira da adolescência, mãe. Ou será que minha irmã falou a pior frase do dia. - Você é muito estranha Ana, deve está ficando louca. Apesar de tudo, o que eles falaram não foi o pior. Triste mesmo foi ver a decepção estampada naqueles rostos preconceituosos.
Minha família é a aberração, são todos idiotas, na verdade não, meu irmão nem entendeu o que era aquela conversa. Mas isso pouco importa, liguei há alguns minutos para Júlia, ela me disse que tudo ocorreu bem. Vou arrumar a minha mochila e irei dormir na casa dela essa noite. Com certeza vou chorar no colo dela, nos braços vou me jogar e naquele beijo vou me perder, como sempre foi. Sei que quando eu ver ela chegando, naquele banco, daquela praça, vou esquecer de tudo o que ouvi, pois só ela me importa.
Talvez eu demore voltar, mas se alguém se preocupar comigo, não vai ser um problema me achar. Vou estar nos braços dela, coberta por nosso amor e aquecida por nosso beijo. Vou estar nessa mesma cidade, ouvindo a mesma música, vendo o sol nascer ou se pôr. Vou estar com a Júlia, lhe perguntando se já leu o meu livro, sorrindo disso, por que com certeza ela ainda não leu. Mas como se fosse a herança de Lua, Júlia irá ganhar um presente, todo o meu brilho, que não se apaga por bobagens. E lembrando que se realmente quiserem me encontrar, já sabem onde vou estar, naquele frio e escuro banco, daquela silenciosa praça.
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Bancando a Lua
Short StoryAna, uma garota romântica e muito decidida se apaixona por Júlia, uma antiga amiga virtual. Muitas coisas acontecem depois que Júlia se muda para cidade de Ana. O casal precisa enfrentar o preconceito e o dilema de poder ser livre.