O que temos para jantar?

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  Correu para abrir a porta. Na euforia, só foi perceber o avental sujo e as luvas quando estava para pegar as chaves que ficavam penduradas atrás da porta.

  — Um minuto! — pediu enquanto se livrava rapidamente dessas coisas. Olhou de relance para sua futura refeição e achou melhor tampá-la. Sua mãe sempre dizia que se um visitante visse sua comida, teria que oferecê-la e ele não estava disposto a compartilhar nada.

  Enfim, voltou à porta. Abriu e recebeu o sorriso da síndica muito mais nova que ele. Ela era baixa, possuía os cabelos lisos e bem aloirados, os lábios carnudos e a pele bem clara. Eram diferentes em quase todos os aspectos: ele era negro, alto e careca. Trocaram cumprimentos, a mão desajeitada dele escondia a mão delicada dela. Ele tentou sorrir, mas acabou fazendo uma careta.

  — Posso ajudar? — respondeu ele com a voz titubeante, carregada de preocupação. Ela pareceu não perceber.

  — Conforme combinado na assembléia, estou distribuindo panfletos com a orientação da polícia e fotos dos condôminos desaparecidos. Achei melhor fazer isso pessoalmente para tranquilizar as pessoas.

  — Claro... — respondeu ele de modo meio vago. A panela com molho começou a borbulhar lá na cozinha e ele podia ouvir o tinir da tampa querendo se separar da panela por causa do vapor que o cozimento levantava. A síndica continuou:

  — Nós já não permitimos entregadores e táxis aqui no prédio e as visitas precisam ser todas registradas naquele livro que o policial deixou aqui.

  Ela sorriu, ele agarrou os folhetos e se preparou para fechar a porta, mas a garota continuou:

  — Que cheiro é esse aí?

  — Molho madeira — respondeu ele, já começando a ficar irritado — Vou preparar uma carne para mais tarde.

  A mulher começou a fazer uma série de perguntas. Vai manteiga? E alho? Combina com qualquer carne? Será que poderia dar a receita? Ela já estava praticamente dentro da sala, onde o aroma do molho se espalhava como uma praga. Se permitisse, era capaz dela ir até a cozinha e meter a colher na panela.

  — É melhor você sair — disse o homem de forma um pouco indelicada. A mulher pareceu contrariada.

  — Desculpe, pensei em só dar uma bicadinha no molho. — falou ruborizada. — Lamento pelo transtorno.

  — Eu que peço desculpas. Com essas pessoas desaparecendo no prédio, os nervos da gente ficam a flor da pele.

  Ela sorriu delicadamente, ele sorriu de vergonha.

  — Por que não vem mais tarde e jantamos juntos? Posso lhe ensinar a receita.

  Ela confirmou que sim, marcaram um horário e ele fechou a porta, mais aliviado. Tratou de ir pra cozinha ver o molho. Precisava engrossá-lo e temperar mais. Ligou o forno e o deixou esquentando, enquanto colocava as luvas e o avental sujo. Pegou o cutelo em cima da bancada e se dirigiu ao quarto, onde o homem gordo do 216-B ainda estava caído por cima da lona plástica, rodeado de seu próprio sangue.

"Peito ou coxa?", pensou antes de descer o cutelo com força e precisão. O jantar daquela noite seria pernil.


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