No modesto sítio Macaúba, situado no sertão nordestino, vivia Carlos, um menino traquina que brincava o dia inteiro nos arredores da pequena casa onde morava com sua família; seu pai José, sua mãe Maria e seu avô Manuel. Moravam distante de tudo e de todos, a casa era envolta de uma mata e era possível ouvir a queda d'água de uma pequena cachoeira que tinha próximo dali. Eles eram simples, mas eram felizes, não gostavam de reclamar, demonstravam gratidão pelo o que tinham.
Um dos melhores momentos do dia para o pequeno Carlos era quando eles se juntavam ao redor da fogueira que ascendiam à noite em frente a pequena casa, e seu avô contava histórias de trancoso, que são causos fantasiosos, alguns desses tinham a intenção de causar medo nos que os ouviam. O menino se sentia muito corajoso, pois dificilmente sentia medo dessas histórias contadas pelo seu avô, pois, para ele, eram apenas contos inventados. "Toda história, mais fantasiosa que pareça, tem um fundo de verdade, Carlinhos", dizia seu avô.
Em uma noite daquelas, os olhos do menino foram pesando, pesando, pesando, seu corpo relaxando e ele adormeceu enquanto seu avô ainda contava uma daquelas histórias. Depois de um tempo indeterminado, através de imagens embaçadas, aos poucos o menino foi acordando, não fazia ideia por quanto tempo tinha dormido, mas percebeu que já estava em sua cama. Ao olhar para o teto notou que a lâmpada, a única que tinha para iluminar a casa, estava acesa. Carlos virou-se para o outro lado da cama – Mãe? – Ninguém respondeu. – Pai? Vô? – continuou sem resposta.
Carlos sentou-se na cama, calçou seu chinelo e foi procurar seus pais. Passou pela sala e pela cozinha, que ficavam no mesmo cômodo, e se deparou com o rádio do seu avô ligado em volume baixo, mas a rede em que ele dormia estava vazia. Olhou para o lado e viu que a porta que separava a sala do quarto de seus pais estava aberta, porém não havia ninguém ali. O menino ficou intrigado, isso nunca havia ocorrido. Estava sozinho.
Sem saber que horas eram, pois ainda não sabia identificar as horas no relógio de ponteiro, sentou-se em um banco que existia na sala e tentou pensar o que poderia ter acontecido, para onde todos poderiam ter ido. Perdido em pensamentos, se assustou ao notar a presença de um belo e desconhecido gato cinza, que estava ao seu lado o olhando fixamente. O gato saiu lentamente em direção a porta da sala, que estava entreaberta, enquanto Carlos o seguia com o olhar. Chegando lá, o felino simplesmente desapareceu.
Surpreso com o que tinha acabado de ver em sua frente, levantou-se em um pulo, não podia acreditar no que havia presenciado. Seguiu cuidadosamente até a porta para checar se o gato estava do lado fora, acreditava que seus olhos haviam o enganado. Ao chegar perto da porta, o rádio mudou de estação e passou a produzir um chiado, como se estivesse fora do ar. No segundo seguinte, barulho de passos apressados seguiram em direção ao quintal, agitando os animais que lá estavam: ouvia-se o roncar dos porcos e o bater de asas das galinhas. Mas, de repente tudo se acalmou, e ouviu-se de longe uma voz feminina – Carlos?
A voz que vinha do lado de fora, parecia bastante com a voz da mãe do menino. Carlos saiu, olhou em volta e não viu ninguém, então seguiu até os fundos da casa onde não havia luz alguma, porém, a lua iluminou seu curto trajeto até o quintal. Chegando lá ele não viu ninguém e os animais, que estavam agitados segundos atrás, se encontravam mais quietos que o normal. O garoto, que se dizia corajoso, estava começando a ficar assustado com aquela situação toda, "Tenho certeza que me chamaram aqui!" pensou confuso.
Antes que cogitasse voltar para dentro da casa, Carlos sentiu uma mão em seu ombro e um sopro em seu ouvido – Te peguei! – disse uma voz, agora rouca e sussurrada. Não parecia nada com a voz de sua mãe, muito menos com a do seu pai ou avô, era uma mistura de vozes, e trazia uma certa satisfação no seu tom, o que a fazia ser mais assustadora.
Assustado, instintivamente olhou para atrás, mas nada viu, não havia ninguém ali. O coração de Carlos acelerou os batimentos; ofegante ele começou a suar frio. Sem pensar muito, correu em direção ao único poste de luz que existia perto de sua casa, um poste de madeira com uma luz amarelada no topo – Mãe? Pai? Vô? Cadê vocês? – Gritou o garoto, mas continuou sem respostas. Era um silêncio absoluto, não se ouvia mais os animais do sítio nem os grilos da noite, parecia que todos haviam sumido, só restava o pobre Carlos.
Sentou-se no chão, e, sem ter muita escolha, baixou a cabeça e começou a chorar. Não sabia o que estava acontecendo, não sabia o que fazer naquela situação. Alguns minutos se passaram naquele silêncio até que Carlos respirou fundo, levantou a cabeça e olhou em volta. Estava tudo escuro, os únicos lugares iluminados era a casa e o poste de luz. Sem muita opção, achou que o certo a se fazer era entrar em casa e esperar que voltassem, então levantou-se e seguiu em frente. Mas, essa calmaria durou pouco, assim que se pôs de pé um vulto passou do seu lado e em seguida uma risada macabra ecoou.
Antes que pensasse em dar outro passo, a porta de sua casa se fechou ferozmente. Sem escolha, deu dois passos para atrás, virou-se e correu em direção a mata que existia logo em frente. Correu o mais rápido que podia, assim talvez pudesse chegar no sítio vizinho e então pedir ajuda, mas as coisas pioraram. Vultos começaram a passar em sua frente em um zigue-zague frenético enquanto várias risadas de satisfação ecoavam ao mesmo tempo. Estava com muito medo agora, suas pernas tremiam, mas ele continuava correndo, não podia parar de correr.
Uma ventania tomou conta da mata, as árvores pareciam ter criado vida, se mexiam como se caminhassem na direção do pobre garoto, tudo ficou confuso em sua visão, não conseguia manter os olhos abertos. Sem enxergar direito, Carlos tropeçou e caiu, mas não se entregou, mesmo em meio a essa confusão tentou levantar-se, porém, algo puxou suas pernas. Eram mãos frias e ásperas que prendiam as pernas do garoto no chão, olhou para atrás, queria enxergar o que estava ali, mas não conseguia ver quem ou o quê o puxava. Sem conseguir sair do canto, a pobre criança entrou em desespero, e quando seu corpo já não tinha mais forças um calor subiu do seu calcanhar até seu ouvido e, novamente, uma voz macabra sussurrou – Te peguei!
De olhos fechados, puxou o ar que tinha em seus pulmões – Não! – Gritou Carlos, e levantando-se de uma só vez. Ao abrir os olhos viu que estava em sua cama.
– O que houve, querido? – era Maria, sua mãe – estava tendo um pesadelo, não era? – Maria se encontrava de pé, olhava atenciosa para o filho.
– Não sei, mãe, fiquei com medo... – disse chorando, enquanto tentava processar o ocorrido.
– Calma, meu amor..., foi só um sonho ruim. – Maria se dirigiu ao menino enquanto abria seus braços e o chamava para perto dela com uma das mãos. – Vai ficar tudo bem, nenhum vulto vai te pegar... – sentou-se na cama da criança.
Naquele silêncio, onde não se ouvia nem os grilos, Carlos fechou seus olhos e se deixou ser confortado pelo, já conhecido, caloroso abraço de sua mãe. O menino ouviu, de longe, o ranger da porta que se abriu trazendo uma brisa congelante, o que fez Maria o abraçar mais forte, porém o frio só aumentou. – Mãe, eu estou com muito frio! – disse Carlos, de olhos fechados. Sem qualquer resposta, ouviu, de longe, um chiado familiar acompanhado de um miado estridente.
– Mãe?
Fim
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Te Peguei!
HorrorCarlos vivia feliz com sua família humilde em um modesto sítio. Mas, certa noite, coisas estranhas começaram a acontecer deixando o menino assustado e confuso. O que é real e o que não é? Foi apenas um pesadelo ou realmente aconteceu?