Gostaria de dizer que estou triste, até mesmo de soltar uma única lágrima... mas não consigo. Estou sentada na primeira fileira do banco da Igreja, vendo a minha mãe chorar ao olhar para o homem que está diante dela.Como ela consegue? Semicerro os olhos observando-a friamente para tentar entender as lágrimas que caem desesperadas pelo seu rosto. Estamos no século XXI e sinceramente, não acredito que mulheres que sofrem qualquer tipo de agressão pelos seus parceiros possam ainda sentir qualquer coisa boa por eles. Ele é o meu pai... era... agora ele se foi e não estou certa para onde exatamente... Olho para cima e peço perdão porque acabei rindo internamente. Será que isso é algum dos tais passos do luto? Porque não me sinto em luto... não sinto nada na verdade... Passei minha infância vendo esse homem maltratá-la. Culpava-a por tudo, estava sempre zangado, gritava com ela... E um dia ele simplesmente desapareceu. Foi embora deixando uma mulher e dois filhos sem ao menos olhar para trás. Eu lamento porque, era muito nova para entender que eu não havia feito nada errado que justificasse ele ter nos abandonado e sofri quando ele se foi, porque me senti culpada pelo estado em que minha mãe ficou. Mas por outro lado, já era grande o suficiente para me lembrar do estrago que ele deixou para trás. Não consigo encontrar nem uma boa lembrança da minha infância na qual ele faça parte... Tudo que me lembro são dos gritos e da sua ausência... e claro... de noite s e noites em que dormi ouvindo minha mãe chorar... Não me julguem se não estou conseguindo derramar uma lágrima por ele. Acredito que foi bem aí, dos momentos em que sou capaz de me lembrar em diante que começou uma brincadeira entre meu irmão e eu. Acho que ele me via assustada e pedia para eu imaginar algo que eu gostaria que estivesse acontecendo naquele exato momento. Eu dizia o que vinha à minha imaginação e a partir daí, começávamos a imaginar e falar dos desdobramentos, e contávamos essa história como se fosse real. Isso me distraía o suficiente para esperar a tempestade de gritos, brigas e ameaças passarem... assim como as horas em que a minha mãe passava chorando depois.
Olho no relógio e não vejo a hora de tudo isso acabar. O que me mata é ver minha mãe chorar... ou será que ela está chorando aliviada? Meu celular vibra e me tira dos meus pensamentos.
Emily está perguntando porque eu estou atrasada para a aula. Eu nunca me atraso... e eu não estar lá já foi um motivo de preocupação para ela.
Emily é minha amiga e colega de apartamento desde que entrei na faculdade de Literatura de Nova York. Uma mulher linda, de olhos cor esmeralda, cabelos loiros e lisos. Uma das pessoas mais doces e sinceras que já conheci. Ela sabe quase tudo sobre mim... menos que estou enterrando meu pai. Não teria como contar a ela que estou enterrando um homem que disse estar morto a mais de 10 anos. É a única mentira que já contei à ela.
Respondo sua mensagem avisando que estou a caminho, quando o olhar julgador da minha tia, me olha repreendendo-me por estar no celular bem no momento em que o caixão está sendo soterrado. Faço a sinal da cruz. Que Deus me perdoe um dia por odiar aquele homem com todas as minhas forças. E mesmo depois disso... nem uma lágrima sequer. Levo minha mãe para casa. Disse a ela que tinha prova na Universidade e que se ela precisasse de algo, era só me chamar. Ela assente mas não parece mais chorosa. Eu poderia jurar que no fundo, ela está aliviada. Mas não tenho certeza. Meu irmão iria ficar com ela. Ele assentiu quando eu disse que tinha que ir. Mas me acompanhou até o jardim da entrada da casa, com um dos seus braços em volta do meu ombro. Ele é militar e mais velho do que eu. Também não era fã do nosso pai... Disse a ele que todo aquele circo era demais para mim e ele disse que segurava as pontas em casa.
_ Luke, não entendo como ela pode estar sentida... será que já não sofreu o bastante por esse homem?
_ Talvez ela o tenha perdoado... Ele diz e meus ombros caem.
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E Se...
RomanceLizzy , desde criança gostava de imaginar como as coisas teriam sido se tivesse feito uma escolha e não outra. Imaginar algo que ela quisesse, como se estivesse acontecendo. Uma brincadeira que costumava fazer quando precisava fugir da sua realidade...