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"Dia 24 de abril de 2019.
Querido diário, [...]"

Insuficiente, insegura, imprestável, descartável. É isso que eu sou.

Bom, pelo menos é isso que as pessoas fazem eu me sentir.

Embora minha mente seja completamente bagunçada, eu ainda sei que eu não nasci assim, com tais sentimentos, os acontecimentos durante a vida que me fizeram adquiri-los.

Uma dica: fuja de casa e só mantenha contato com os animais.

Não mantenha contato com nenhum ser humano. Não de brechas pra se apaixonar e nem amigar com alguém. Não mantenha contato nem mesmo com os dois seres humanos que te geraram, porque até mesmo os seus pais podem te machucar. E machucar mil vezes mais que qualquer amor ou amigo.

Nenhum ser humano merece sua confiança, seu carinho, seu tempo. Gaste tudo isso com os animais. Eles não falam, mas te ouvem, e o melhor, não te julgam. Pelo contrário de te julgar, eles te acolhem. Eles notam sua tristeza e deixam ser abraçados por você, deixam sua carinha e seu corpinho serem afagados por você.

Eu queria ser uma daquelas pessoas que não ligam pra opinião alheia, mas eu não sou. Eu queria que meus pais fossem embora e me largasse sozinha aqui.

Pra que eu vou querer ter pais e amigos se eles não fazem o básico por mim, que é me apoiar, me dá carinho, fazer com que eu me sinta amada, que sou importante. Que a minha vida importa!

Não tenho amigos e não queria ter pais.

Na escola as pessoas me acham estranha, esquisita, dentre outras coisas, só pelo fato de eu ser inquieta e totalmente impulsiva. O fato de eu ter TDAH não ajuda muito também, tanto em casa quanto na escola. Eu sou a estranha que não consegue resolver um simples cálculo, ou a estranha que não consegue parar quieta um minuto. Eu sou a estranha de tantas coisas...

Eu queria pessoas que me ajudassem, mas infelizmente não tenho. Ao meu redor só há pessoas que me fazem se sentir pior a cada dia.

Se já não bastasse minha doença, meu corpo extremamente magro também é motivo pra zoações. Nos corredores da escola eu já ganhei diversos apelidos maldosos. Em casa sou julgada por ser tão magra e não ter corpo direito. Segundo meus pais meu corpo é horrível.

Nada nunca tá bom pra eles. Não importa o que eu faça, eles sempre acham um defeito. Isso é horrível. É horrível escutar certas coisas saindo da boca dos seus próprios pais.

Ninguém vê potencial em mim porque, como disse, não consigo fazer um cálculo simples. Não consigo prestar atenção em nada direito, então como vou ser alguém na vida?

E são essas, e muitas outras coisas, que me fazem se sentir assim: um lixo. Um corpo desnecessário ocupando espaço na Terra. São essas coisas que me fazem se questionar todas as noites "Por que eu tô viva? Por que eu ainda não morri? Por que eu fui colocada no mundo? Por que?"

Acredite, eu tenho mil e um motivos pra se jogar nesse mar azul bem a minha frente, nadar cada vez mais contra as ondas e ir bem pro fundo onde eu não dou mais pé, e afundar. Afundar e não levantar mais. Afundar e sentir meus pulmões queimando e gritando por oxigênio, mas mesmo assim permanecer e me deixar aos poucos perdendo todos os sentidos até que tudo se apague. Até que tudo que sobre seja apenas um corpo magro, gelado e totalmente sem vida perdido no meio das ondas do mar.

E não nego, a vontade de fazer isso só aumenta a cada vez que eu lembro tudo que já passei e continuo passando a cada santo dia. E vai aumentando mais e mais ao saber que isso, provavelmente, vai continuar enquanto eu estiver respirando e ocupando espaço na Terra com esse meu corpo magro.

Eu, finalmente, quero estar viva!Onde histórias criam vida. Descubra agora