Prólogo

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Marina

   Não ser capaz de respirar; não ter controle sobre o próprio corpo; a única coisa que consegue fazer é ficar olhando seus pais, sem poder falar nada. Sempre achei que no dia que isso acontecesse, não conseguiria manter a calma, mas não esperava que fosse tão ruim assim. Hoje é o dia que eu tive coragem de fazer o que eu precisava. 

   Os meus pais acabaram de chegar de viajem. Aparentemente eles vieram mais cedo. Não que eu possa afirmar com certeza. Não é como se eu estivesse com alguma noção de tempo. Mas não era para eu ter alguma companhia nesse momento. 

   A minha mãe está agachada na minha frente, com sua roupa de executiva responsável que consegue o que quer e na hora que deseja. O olhar me parece neutro sem expressar nada. É uma feição que ela aprendeu a usar no trabalho. Quando o meu pai termina a ligação para a ambulância, ele vem ficar na mesma posição que a minha mãe. Ele está vestindo um terno, como sempre, com uma cara de bravo, não que alguma vez eu já tenha visto expressar algo diferente disso.

   Se parar para pensar, porque eles querem chamar ajuda para mim agora? Tudo bem,talvez a minha situação faça com que isso pareça inegável. Mas os meus pais estão enganados. Muitas vezes o julgamento das pessoas está errado, principalmente se elas não te conhecem. Isso é normal. Mas quando sua própria família não te enxerga, é realmente triste.  Eu sei que é estranho pensar em todos esses assuntos diante do que está acontecendo comigo nesse momento, mas não consigo evitar. Como o que me resta agora é esperar, é bom preencher esse tempo para alguma com alguma coisa que me distraia.

   Antes eu imaginava como seria se eu criasse a minha família, como seria se eu tivesse filhos e se eu poderia ser melhor que os meus pais. Mas eu descobri que eu simplesmente não conseguiria. Eu não seria capaz de colocar uma criança no mundo para viver tudo o que eu tive que passar. O mundo nunca é capaz de cooperar com os meus planos. O fato dos meus pais estarem na minha frente agora é uma bela demonstração de como o universo não aceita que eu tome minhas próprias decisões.

   É desgastante e frustrante ter que passar essa imagem de garota perfeita. Ter que cumprir todas as expectativas que os meus pais colocaram em mim e não poder escolher, definitivamente, não é o que eu quero para a minha vida.

   Eu quero que os meus irmãos me perdoem. Eles normalmente são ignorados pelos nossos pais, só eu que sempre tentei dar meu melhor para eles, mas acho que nunca foi o suficiente. Eles até tentam não deixar a chateação transparecer, mas eu sei que se sentem isolados. Não sei quais serão as consequências disso no futuro deles. A minha irmã apesar de parecer uma pobre princesa frágil, é forte e uma perfeita princesa guerreira. Vai ser difícil, mas ela logo vai superar. Já meu irmão é a minha maior preocupação. Ele tem um temperamento forte e é impulsivo. Não sei como ele vai reagir.  

   Só espero que eles não se sintam abandonados nem traídos por mim. Tudo que eu estou fazendo tem sentido para mim, mesmo que os outros pensem que isso é errado.

 Volto a me concentrar na realidade quando vejo os olhos verdes e calculistas do meu pai, consigo perceber  que se um dia ele me amou, não carrega mais esse sentimento consigo. Quando encaro o profundo mar do olhar da minha mãe, não sei o que vejo. Pela cara deles, a viagem de volta pra casa não foi muito boa. O mais engraçado é que minha mãe está quase chorando, mas já me conformei que não é por mim, é pelo medo de perder o maior investimento de toda sua vida.

   É claro que eu estou exagerando. Afinal eu sou jovem e é isso que nós fazemos, não é? Aposto que qualquer um concordaria comigo. É como se eu quisesse transformar a minha vida em uma trama digna de Shakespeare e não tivesse nada mais para fazer.

   O som da porta do banheiro se abrindo me fez olhar na sua direção. Não gosto do que eu vejo. Acho que nada desse maldito dia vai ser do jeito que eu queria. Quem chegou? A minha irmã.

   Quando me vê ela fica pálida de uma forma que eu julgava ser impossível. O rosto dela me mostra o seu desespero e parece que não conseguiria se mexer tão cedo. Os olhos dela ficaram vermelhos e marejados quase que instantaneamente. Eu não esperava ver ela em casa a essa hora. Juro que não era para ser dessa forma. Nunca fiz isso para vê-los sofrendo, mas tudo está dando errado.

    Apesar e tudo o rosto da minha irmã é tudo o que eu poderia pedir para que eu pudesse me acalmar. Eu não deveria ter medo de algo que eu mesma decidi fazer, mas isso eu acho que é a única coisa fácil de explicar: Eu não queria acabar desta forma, morrendo sentada no chão do banheiro da casa dos meus pais.

   O motivo para fazer tudo isso? Por que eu estou fugindo? O que me levou a desistir de lutar mesmo tendo os meus irmãos? É difícil dizer. É simplesmente inexplicável o que eu senti quando eu tomei essa decisão.

 Agora eu já consigo ouvir as sirenes da ambulância, mas sei que chegaram tarde. Então eu olho para minha irmã que, por incrível que pareça, ainda está parada na porta. Consigo ver a dor que está nos olhos dela. Não sei como será o futuro deles, só posso dizer que eu não seria de grande ajuda, de qualquer forma.

 É olhando nos seus olhos vermelhos que eu fecho os meus. Entregar-me a esta escuridão incomparável é, provavelmente, a coisa mais fácil que eu já fiz na minha vida e também a mais difícil. Essa porra de sentimento idiota!

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