Mais um dia. As contas estão postas na mesa e são muitas, o arroz no fogo já ferve, o espelho pendurado na parede da sala reflete a garota que desliza um batom vermelho em seus lábios carnudos e que não se sente nem um pouco feliz com seu emprego. A cortina balança por causa do vento que adentra o apartamento pela janela da sala. É noite, é frio, é a solidão. O sabor amargo da bebida não tira o sentimento de fracasso. O fracasso não quer trégua, mas o cigarro que acendeu acalma o desespero que insiste em querer crescer em seu peito. Rita fuma agora sentada desajeitadamente em seu sofá, o vestido amarrotado e levantado deixando o short a mostra. Daqui a pouco é o começo da madrugada, o começo de outra música que toca em seu DVD, o começo de outro cigarro, o começo de outras contas, de um mês em um trabalho que não gosta...
Alguém bate na porta, já era hora. A pessoa a sua frente parece triste, seus olhos brilham, mas dá para ver que são lágrimas. A maquiagem tenta cobrir suas olheiras sem sucesso, o delineado borrado, o cabelo molhado, o seu respirar acelerado em um pedido de ajuda não pronunciado. Rita questiona o que aconteceu e o motivo da demora, mas ela desmorona. O dia foi péssimo para as duas amigas. Talvez seja isso, precisem uma da outra nesse momento, precisem de uma bebida, comida e o silêncio enquanto a tristeza esvai ou não vai embora, só fica ali remoendo por um longo período até que amenize pelo menos.
- Então é assim? Assim que termina? - é mais para si que Caroline questiona. Rita não levanta a cabeça, apenas encara seus pés descalços enquanto a escuta chorar.
- Mas ele disse alguma coisa? - curiosa finalmente quis saber. Não entendia como um amor podia ser destruído tão facilmente, não entendia como as pessoas conseguiam fingir tão bem que gostavam da outra enquanto a traíam sorrateiramente.
- "Desculpa", só. - Carol responde. Rita bebeu na boca da latinha e franziu as sobrancelhas confusa, depois estendeu a bebida à amiga oferecendo. - Então deixei tudo lá e não quero voltar pra buscar nada. Não tenho coragem de o ver. A gente tava tão apaixonado...
- Sim, eu tava pensando nisso agora. - falou lembrando quando ele foi pedir ajuda dela para preparar o pedido de noivado e percebeu que era melhor não revelar a amiga o que ele planejava, talvez a deixasse mais magoada ou a fizesse voltar atrás em algo tão tóxico e falso. - Mas se ele te amasse mesmo não teria te traído.
Cheiro de coisa queimada no ar, Carol enruga o nariz.
- Que cheiro estranho. - Rita muda de assunto comentando enquanto estreita os olhos tentando lembrar de alguma coisa. - Acho que os vizinhos devem tá cozinhando...- Deve tá queimando. - Carol diz e uma fumaça mais escura começa a chegar na sala. - Tu deixasse comida no fogo, não?!
- O meu arroz!!!!
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Só(l)
Short Story"Mais um dia. As contas estão postas na mesa e são muitas, o arroz no fogo já ferve, o espelho pendurado na parede da sala reflete a garota que desliza um batom vermelho em seus lábios carnudos e que não se sente nem um pouco feliz com seu emprego[...