O Crime que há por trás da futilidade

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Eu não sei como isso começou. Quando dei por mim eu já morava com ele e sua detestável filha de nove anos. Eu não lembro a minha idade. Eu não me lembro de como era o meu rosto. Mas eu sabia que havia algo errado. Eu sabia que não deveria estar com ele. Eu devia estar livre, na minha casa de verdade. E não com aqueles dois.

Eu estava sentada na janela olhando para o céu lá fora, estava agarrada ao estúpido ursinho de pelúcia que ele me dera. Era daqueles cheios de pelos ao invés de pelúcia. Daqueles cujos braços e pernas são apenas pedaços de tecido estufados com algodão e seus olhos eram pontinhos pretos. Ele era meio verde, meio branco, mas não sei se isso importa.

Não consigo lembrar a quanto tempo estou nessa casa e isso me assusta. Eu pego um papel da mesa redonda decorativa diante de mim e escrevo meu nome, o número de telefone da minha casa e o endereço da casa em que estou e abaixo escrevo: “Chame a polícia. Estou presa” Amarro na cabeça do ursinho com um elástico de cédulas e por cima a fita que prendia meu cabelo. Sacudi a cabeça para deixar meu cabelo mais natural. Neste momento, a filha dele chega com mais duas amiguinhas de sua mesma idade.

–Nana, estamos indo brincar de Uno. Quer jogar? –Sim, ela sabia que eu estava ali contra a minha vontade. Abracei o ursinho e fiz que sim com a cabeça. Caminhei até elas e nos sentamos as quatro no chão e jogamos até as meninas terem de voltar para casa.

Ele não dormira em casa esta noite. Eu sempre dormia em seu quarto com ele.

Eu queria morrer de felicidade por ter tido uma noite inteira livre dele.

Olhei para o vão entre a parede e a calha da varanda às minhas costas, eu podia ver o céu azul, longe de mim e suspirei. Eu sempre estava sentada naquele canto o dia todo com meus pensamentos porque não podia descer e não queria entrar no quarto dele. Tinha o cheiro dele. Vi um rosto lá e arfei olhando para os lados e não havia ninguém. “Quem é você?” eu perguntei e ele respondeu “Ninguém importante” e eu me pus de pé e subi até lá pondo apenas a cabeça para fora.

–Eu preciso de um favor. –Eu falei. –Eu faço qualquer coisa se você fizer isso por mim. –Ele sorriu. Era um adolescente de mais ou menos quinze ou dezesseis anos, um pouco mais novo que eu. Eu engoli em seco por aquele olhar tão parecido com o dele. –Eu preciso que você vá até o CANES e entregue isso à Enfermeira Sebastiana. Entendeu? –Falei entregando-lhe o ursinho. Ele o pegou, acenou para mim e foi embora pelo telhado.

Voltei a me sentar no chão, agarrada as minhas pernas. Céus o que eu fiz? Ele vai me matar. Eu vou morrer! Céus, não! Mas... Não era isso que eu queria?

Fiquei sentada no chão, quieta por não sei quanto tempo, pensando no que aconteceria se ele descobrisse. Quando olhei o relógio mais tarde ele marcava uma da tarde. Ou era uma da manhã? Olhei o céu na fora pelo vão da calha e vi que ainda estava claro. Suspirei e quase gritei ao ver um vulto pulando pelo vão da calha para dentro da casa e quis chorar por ver quem era.

–Mãe... –Sussurrei e ela me olhou. Eu quis chorar mais ainda quando vi a surpresa e dor em seus olhos. Pulei em pé e a abracei muito forte. –Mãe! –Eu sussurrei. –O que está fazendo aqui? É perigoso!

–Eu vim te tirar daqui, você vem comigo! –Eu sorri, mas meu sorriso morreu quase instantaneamente quando ouvi o grito de alegria da filha dele.

–Oh não. Mãe esconda-se!

–O que?

–Não dá para explicar, entra aqui. Ele nunca entra aqui. –Falei empurrando-a no quarto onde ficavam as minhas roupas. –Não fale nada e só saia quando eu mandar. –Eu disse trancando a porta e me encostei de volta à parede no exato momento em que ele surgiu no corredor. Arfei de susto e escorreguei até o chão.

Nunca Volte por uma MochilaOnde histórias criam vida. Descubra agora