Ano ????, A Cascata
— Uma grande remessa — disse a voz, absoluta como o som do silêncio.
Uma mão cujo tamanho não era mensurável moveu-se, que ironicamente só foi possível ser vista por ter se movido, cuja aparência era idêntica a todo àquele infinito cuja energia parecia convergir entre escalas de preto e roxo, como numa aquarela eternamente em movimento.
O indicador e o polegar dessa mão e de sua gêmea começaram a coletar algo da única coisa que destoava no ambiente, uma cascata de cor branco-amarelado brilhante, abrangia um espaço absurdo para parâmetros humanos, despencando de uma grande silhueta escura que estava há uma distância absurda. Parecia uma espécie de esfera cujo esse "líquido" brilhoso escorria dela, alterando-se na queda em uma forma de cortina.
— De qual tempo são? Qual das emergências terão ceifado-lhes? — repetiu novamente a voz, que vinha daquele vazio de cores, aquelas mãos pareciam se conectar a esse mesmo nada, enquanto faziam o trabalho de tirar partículas da cascata e jogava para outro lado, formava assim uma espécie de segunda cascata, uma que parecia ter um brilho diferente, como se fosse cinzento.
A segunda cascata estava sendo despejada em uma espécie de esfera muito semelhante àquela que havia acima, porém ela era constituída de uma belíssima harmonia de escala entre o verde e o azul, apesar do trabalho rápido e intenso das mãos, a segunda cascata era bem menor que a original.
Ao cair, as diversas partículas pareciam despencar em um grande nevoeiro que havia abaixo, como uma nuvem chuvosa, sem ser possível observar o que haveria após.
— Pelo visto, foi um insucesso — disse uma voz feminina grossa, suas palavras soavam pesadas. Pairava próxima de onde as mãos trabalhavam incessantes, não possuía corpo, mas seu rosto era coberto por um véu marrom-escuro que emendava-se na forma de um vestido, uma vestimenta comprida de medidas além da imaginação, de seu rosto só era possível ver dois fortes brilhos de onde pareciam ser os olhos, seu vestido que começava marrom terminava em preto. Parecia que todas as partículas constituintes de sua roupa geravam-se a partir do véu de sua cabeça e despencavam até o fim do vestido, dali desprendiam-se para o infinito.
— O resultado não é importante — afirmou o ser que coletava
A entidade flutuante observava o trabalho do primeiro sem esboçar nenhuma reação.
— O resultado é tudo, eles tentaram e fracassaram — cortou ela
— Seu tom para com eles é desagradável — a voz do infinito disse e seu tom era indecifrável, porém se algo lhe incomodou na opinião dela tampouco deixou transparecer, continuou com sua tarefa.
— Sua crítica é que não é importante, eles se comprometeram com o resultado, porém o mesmo não aconteceu, eu sou absoluta conforme a natureza que me germinaram, então estou gravemente decepcionada — o tom de voz dela carregava grande peso.
— Por que você acha que eles falharam? — indagou uma terceira voz com tom de desafio.
A dama virou-se para observar o recém-chegado, um homem de aparência humana, exceto pelos seus cabelos brancos compridos que iam até o meio das costas e pela sua pele lilás, curiosamente era possível ver escamas em alguns pontos. Ele usava trapos velhos marrons em forma de blusa e calça, parecendo estar vestindo uma espécie de saco de batatas amarrotado.
Os feixes de luz que saíam da cabeça flutuante dela pareciam, se é que isso é possível, incrédulos ao observá-lo. Não à toa, considerando que o estranho sujeito estava sentado de maneira jogada em um trono flutuante, o assento prateado exalava uma aura arroxeada e o homem a observava de volta com seus olhos brancos em desafio.
— Ele falhou, ele os representava, logo, eles falharam, além disso, quem seria você? — perguntou ela.
Ele sorriu travesso, tão logo, na velocidade de uma piscada, ele era agora uma criança cuja única diferença era que o cabelo havia diminuído para um curto sem a cor mudar.
— Você é nova, não estava quando eles cessaram a batalha, as coisas funcionam de maneira engraçada agora que você existe... — disse ele vagamente enquanto observava avidamente fascinado uma pequena pedra cair que havia acabado de soltar fora do trono — Será que isso vai acertar alguém?
A criança deu uma risadinha travessa, mas a dama não se deu por satisfeita, acabou por se aproximar do garoto.
— Eu sou uma força inevitável, eles me criaram como uma necessidade para gerar responsabilidade
O garoto olhou entediado para ela, deitando-se de lado no trono, com a cabeça apoiada na mão e o cotovelo no braço do assento.
— Você só vê o imediato, diz que ele falhou, porém... — disse o menino que então se levantou e apoiando-se com as mãos no braço de onde estava, se dirigiu ao infinito — Hey Coletor! Faz tempo que não nos vemos, estive com saudade, de qualquer modo, você viu a alma dele nessa cascata?
— Tive receio de que não lhe veria mais Tempus, não vi, mesmo porque se tivesse descido, eu o teria coletado para o Íntimu — disse a voz do infinito.
— Viu? — perguntou o garoto para ela ao voltar seu olhar — A esperança não cessou, não houve falhas, não seja tão cética... qual seu nome mesmo?
— Gravidade... — respondeu ela com a voz que agora estava repleta de desagrado — Não importa que ele não esteja morto, no estado em que está não conseguirá fazer nada, isso só mostra que a Tríade está impotente.
Tempus se levantou do trono em um salto, levitava agora ao lado dela e tinha a mão esquerda repousando na parte do véu que seria o ombro dela.
— Não permita que a ingenuidade controle seu julgamento — a voz agora parecia a de um ancião com mil anos de idade, todo o cabelo havia desaparecido — O objetivo não foi alcançado, ainda, uma situação tão complicada exige um processo lento e gradual de mudança, eu estava lá quando a Tríade tocou no meu tecido e acredite, isso gerou uma força poderosa o suficiente para me deixar adormecido até então.
O monólogo de Tempus foi tão instantâneo quanto pareceu durar várias estações, após terminar sua fala, o agora rapaz adulto, sentou-se novamente no trono, com a postura que lembrava um líder rebelde, os olhos brancos brilhavam e combinavam com o cabelo novamente comprido.
— Você fala com bastante confiança, acha que a Tríade será capaz de enfrentar Eles? — perguntou Gravidade demonstrando hesitação talvez pela primeira vez.
— Se a Tríade será capaz de enfrentar-Los? As peças já estão sendo movidas, mas não só a Tríade, todos nós precisaremos participar desse grande jogo, só assim teremos àquilo que os bardos costumam chamar de "final feliz"
Esse momento teria ficado para sempre na memória dos envolvidos, mas parece que haviam mais ouvintes além dos três, porém não há nada que possamos fazer sobre isso, apenas podemos ter a certeza de que as Areias do Tempus estão agindo.

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Batalha Perdida
FantasyEm um lugar além da compreensão, seres superiores discutem sobre o tempo e o destino.