Algumas horas antes
Estou voltando para a casa da minha mãe. Lembro de uma conversa quando estava com 15 anos e disse que aos 18 eu já estaria morando sozinha e estaria na faculdade. Bom, aos 18 eu estava morando sozinha em outra cidade fazendo faculdade, o que eu não tinha imaginado era que aos 20 eu estaria abandonando tudo e voltando por quê eu não tinha mais controle sobre eu mesma.
Quando entro pela porta de casa, ainda não tô preparada para a conversa que terei com a dona Deise, ela me teve aos 17 anos, mãe solo, e além de te que lidar com todos os seus próprios problemas se sente incapaz por não poder transformar minhas merdas em um punhado de resto e jogar no lixo. Eu tentei, tentei ao máximo não atingi-la com os meus problemas, mas a cada ligação, a cada visita, a cada "como você tá se sentindo?" Eu me encolhia mais e mais dentro do casulo que construí ao longo de quatro anos, especificamente desde aquele dia em que a minha vida mudou, eu mudei.
Minha mãe comprou essa casa quando ainda era apenas um quadrado de madeira em um terreno rodeado por mato e algumas flores, ela tinha economizado cada centavo, abdicado de cada festa que era convidada, chegou a ter dois empregos enquanto eu ficava na casa de parente. As vezes a noite enquanto ela pensava que eu estava dormindo escutava o seu choro, choro de cansaço pôr ter pegado mais de seis conduções em um único dia para assim conseguir chegar a tempo nos dois empregos, choro por morarmos de favor e estarmos em constante mudança além daquele choro íntimo em que só você sabe em como você gostaria que as coisas fossem diferentes.
Ela conseguiu começar e terminar a casa própria, e como eu amei ver o brilho nos olhos dela a cada móvel que ela comprava, a cada tapete que ela encomendava, e quando um dia eu cheguei em casa e ela estava desenhando flores com todas as cores do arco íris no meu quarto...eu não me importei se eu não queria flores porquê o sorriso que ela me deu e o leve encolher de ombros que vi quando entrei no quarto me fez abrir um sorriso e perguntar se ela precisava de ajuda.
Ela não tá em casa, mas tem um bilhete na cozinha dizendo que vai trazer pizza para o jantar e que me ama muito, puta merda mãe, eu estava tão nervosa em te ver mas quando vi que você não estava aqui o que senti não foi alívio e sim tristeza. Depois que que peguei o carregador na bolsa de viagem e ligo meu celular vejo que tem uma dela dizendo que pelo visto o movimento no restaurante ia ser fraco e que ela não chegaria tarde da noite, tinha uma mensagem da Laura me chamando para uma festa em uma boate e tinha uma mensagem minha ignorada pelo idiota do Marcos, fodido do caralho. Respondi a Laura dizendo que eu chegaria por volta das sete e avisei que iria sair para a dona Deise.
Segui pro banheiro quarto tirei a nane da caixa pet e esperei ela se cheirar todo o meu quarto que agora também seria dela, nane é uma gata preta SRD metida a megera mimada, três meses depois que me mudei por conta da faculdade decidi que queria ter um gato e o universo me trouxe ela. Esperei ela se deitar e puxei ela pro meu colo, disse que foi necessário a mudança, que ela viu como estava ficando e que a humana dela estava passando por umas merdas mas nada que ela deveria se preocupar. Deixei ela dormindo na cama e fui pro banheiro me aprontar pra encontrar a Laura, quando entrei no banheiro passei direto pelo espelho, tirei a roupa e passei longos 20 min embaixo do chuveiro contanto repetida vezes os dedos dos pés...dez ao total...e depois os das mãos...também dez. Desligo o chuveiro, me enrrolo na toalha bordada com o meu nome- obra da dona Deise. E só então me olho no espelho.Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem Eu estou bem.. eu não estou fudida bem.
Minha raíz já tá aparecendo, meu cabelo tá um pouco acima dos ombros em uma cor indefinida entre o ruivo e o amarelo, faz quatro anos que não uso meu cabelo na cor natural, faz quatro anos que criei o vício de sempre estar mudando a cor do cabelo, faz quatro anos que me chamo Elise e já faz quatro anos que tudo o que vejo quando me olho no espelho é uma garota estranha porém bem-vinda. Eu estou mais branca do que o normal, devido ter ficado bastante tempo dentro de casa sem ver o sol, e emagreci também, desde os 14 usar o tamanho 38 e agora 34, não me sinto bem com isso, nenhum um pouco. Não sou obssecada por regimes ou dietas, sempre gostei de comer muito e comer tudo que me desse vontade, então quando ontem todas fichas cairão me mostrando o quanto eu tava fodida, sim meu peso foi um das provas do quanto eu estava ruim. Dou uma última olhada no meu corpo e vou direto pro quarto me vestir.
Encontro a Laura na entrada da boate, acabei pegando a primeira roupa que vi o que deu em uma mini saia jeans preta e uma blusa branca meio folga com mangas caídas. Dou um abraço no Augusto namorado dela e seguimos para o bar, eles me perguntam se eu já comi ou se quero comer algo, isso me faz pensar em qual foi minha última refeição hoje, não lembro de ter comido nada depois do café com ovo e salsicha depois. Apenas respondo que não estou com fome. Então começamos os trabalhos da noite, pedimos vodka, eles falam que estavam com saudades e eu digo o quanto ele tá gatinho com o novo penteado o que faz ele ruborizar feito tomate. O garoto consegue ser mais branco do que eu, mais baixo também, acho até no peso que estou consigo ficar bem equilibrada com ele lados opostos de uma balança.
A Laura percebe que ele ficou vermelho e tem um ataque de riso, se joga nos meus braços e diz que sentiu minha falta. E eu gosto, realmente gosto de está aqui dançando com eles, até que ela pergunta o que aconteceu pra eu ter voltado e largado a faculdade de pedagogia, eu gosto de está aqui com eles até ela me chamar acidentalmente pelo meu nome, e eu estava gostando de estar aqui até ela tentar me dar "apenas um toque " sobre como eu deveria seguir em frente e em como tudo isso é uma merda e que Elise não é o meu nome, nossa Laura, obrigada por lembrar, porra eu jurava que meu nome era Elise. As seis doses começaram a fazer efeito e eu me vi indo em direção ao banheiro, era um desses banheiro com várias cabines, três, no caso desse.Eu encostei a porta e me apoiei na pia, fechei os olhos e quando abri o que vi foi só uma carcaça me olhando de volta, então tudo veio, tudo o que ao longo da semana, ao longo do mês, ao longo de fodidos quatros anos tinha tentado ignorar. Eu gritei e bati minha cabeça no espelho...e ele era duro, que porra de espelho é esse? Então bati de novo , de novo, de novo até quem minha visão começou a embaçar e então eu bati com mais força e finalmente não vi e não senti mais nada.
Quando a Laura me tirou do chão do banheiro, quando todas as garotas com seus olhares de pena e suas suspeitas de que eu era um bêbada de merda que ficava se machucando em banheiro de festa continuaram suas vidas depois de passar por cima de mim e retocar a maquiagem e irem embora, quando o Augusto chamou um táxi e entramos, só então eu percebi que tinha feito merda. Feito na frente de outras pessoas, várias. Eu chorei, chorei de constrangimento, chorei de raiva, tentei abrir a porta do carro ainda em movimento, escutei o taxista me chamar de puta doida que usa drogas por aí e que ele não estava afim de ter que lidar com esse tipo de merda. Eu me calei, me aquietei, afinal ele não sabia o que se passava comigo ou não dava a mínima, provavelmente os dois, então apensar pensei em como seria bom o pau dele cair.
Quando chegamos na casa do Augusto, Laura me chamou pra sentar do lado dela no chão. Pediu desculpas por não saber como as coisas estavam comigo, ela não precisava pedir desculpas, então deixei isso claro, ninguém tinha culpa de nada a não ser duas pessoas, três no máximo no meio de toda essa merda..e ela não era um delas mas eu pedi desculpas por ter pensado nela como uma vadialaura, ela apenas me abraçou e depois diss que tinha ligado pra minha mãe e que ela já estava vindo. Como deixa eu escutei a buzina na frente da casa, eu apenas sorri pra ela e disse obrigada. Quando entrei no táxi mamãe não disse nada, apenas puxou minha cabeça pro colo e me deixou chorar, eu não precisei falar nada.
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EU ESTOU BEM AQUI
Roman d'amourNunca vi um olhar mais triste do quê este que está me encarando, consigo ver todo seu desespero e sua vontade de estar em qualquer lugar menos aqui. É complicado, eu sei. Terminar um relacionamento é muito complicado e é por isso que ainda estou enc...