Quisera eu, que esse fosse um sonho. Mais um dos estranhos sonhos que temos e ao acordar, não conseguimos explicar, mas agradecemos por não ser realidade. Escuridão, somente escuridão. Nunca tinha "visto" escuridão tamanha. Os olhos abriam, forçavam para enxergar algo mas...nada. Pensei por um momento, que tivesse perdido a visão ou algo que o valha. Temi que, ao levantar e me mover, pudesse esbarrar em algo, cair em um buraco ou algo pior (embora não soubesse o que poderia ser pior). Fechei os olhos.
Onde raios eu estava? Não lembrava de nada que pudesse ter acontecido, para me fazer chegar até ali. Puxando pela memória, vagas lembranças chegavam até mim, como em flashes. Pareciam mais como um trailer mal montado de um filme B. Nada conclusivo. Só acontecimentos vazios, sem qualquer significado. Mas, alguma dessas memórias poderiam me "salvar" de onde estava? Por isso, resolvi gritar. O que deveria ter feito por primeiro. Mas, em situações de extremo estresse ou desespero, podemos fazer (ou não) coisas que tipicamente não faríamos (ou faríamos).
Gritei com toda a força que meus pulmões me proporcionaram. Aguardei um tempo. Não houve eco algum. O que denotava estar em um ambiente não muito grande. Ainda estava deitado. Chão úmido, frio e liso. Onde minhas mãos tateavam, não consegui notar uma fuga sequer. Parecia ser inteiriço. Mais alguns gritos, sem ecos, nem respostas.
Não estava preso. Nem minhas mãos, tampouco meus pés. Mas, como estava sem noção espacial, fiz o maior esforço para não me mover. Até que o corpo começou a ficar dormente e estava quase impossível manter a posição inicial.
Primeiro, comecei a mover minha mão esquerda — já que era destro, e se perdesse essa, ainda poderia me virar — lentamente para cima, com o intuito de saber até onde ia meu espaço transversal daquele instante. Cada centímetro que minha mão levantava, meus olhos se apertavam mais, na espera de que alcançasse algo, ou pior, fosse alcançado por algo.
Consegui esticar o máximo possível. Voltei ela à primeira posição e fiz novamente o caminho — dessa vez de forma direta. — Nada. Fiz o mesmo movimento com o outro braço e da mesma forma, consegui esticar ao máximo.
Meu histórico como atleta não é dos melhores. E isso dificultou um pouco o movimento que fiz em seguida. Mantive os dois braços eretos, em posição perpendicular ao corpo e me levantei, a fim de evitar que algo viesse e me pegasse de surpresa. Foram seis tentativas, até que consegui me sentar. Recobrei o fôlego e retrai as pernas, ficando com os joelhos dobrados. A escuridão cerrava todo o local. E eu permanecia de olhos fechados, evitando que uma luz repentina pudesse me "cegar".
Sentado, com os joelhos dobrados, voltei a levantar os braços — da mesma forma que antes — e pude ver que havia mais espaço ainda. Desta feita, resolvi me levantar. Ainda com as pernas pouco firmes, por ter ficado tempo — não sei quanto — deitado e elas terem adormecido, fiz um pequeno esforço, para ficar parado no lugar. Comecei então, a fazer o reconhecimento do espaço que disponibilizava.
Primeiro um braço, depois o outro. Vendo que estava desobstruído, girei no próprio eixo do corpo, para me certificar de até onde podia me mover. Selecionava ao acaso uma direção e seguia por ela, até onde achava que meu braço ia. Repetia essa sequencia de movimentos, tentando chegar o mais "longe" possível.
A cada intervalo de tempo, reunia forças que ainda restavam e a todos pulmões, gritava loucamente. Gritava pelo maior tempo que conseguia. E como sempre, nenhuma reposta.
Sentia como se eu fosse um defunto, que, ao acordar depois do próprio enterro e ao saber onde o colocaram, berra aos quatro ventos, na intenção de que alguém possa lhe ouvir e o retirar dali, evitando que seguisse para o destino ao qual já havia sido destinado.
E o pior — se é que poderia ter algo pior que minha situação. — Não conseguia lembrar de nada de minha vida. O que para o "morto-vivo" ainda era uma arma que podia usar para que não desistisse.
Será que não estive sempre vivendo dessa forma? Para que pudesse me "defender", tinha transformado a minha pífia existência em um livro em branco e assim, evitado a dor de viver?
Nada de achar uma emenda sequer naquele chão frio, úmido e liso. Andava a passos de tartaruga e parecia nunca chegar a alguma parede, ou mesmo buraco ao qual eu pudesse cair e acabar de vez com minha angústia. O chão ser liso, facilitava eu arrastar os pés, para ir com mais parcimônia.
Em meio aos passos lentos, gritos e tentativas de relembrar minha história, ficava alguns momentos totalmente imóvel — sem ao menos respirar — para tentar escutar algo que pudesse iluminar minha mente de onde estava. Mas, mais uma vez, NADA.
A angústia tomava conta de mim. Minha respiração cada vez mais pesada e meu coração batendo tão forte, que podia "ver" minha camiseta saltando a cada bombada de sangue. Minhas pernas já estavam trêmulas e eu tive de me ajoelhar um pouco para retomar o controle sobre meu corpo. Uma pancada e um barulho seco me fizeram levantar rapidamente. Meu joelho direito doía muito. Não perdi tempo com a dor e logo comecei a apalpar o escuro, em busca do que eu tinha acertado.
UMA CADEIRA
Uma cadeira de madeira maciça, ali parada no meio — ou achei que fosse o meio — daquele local. Sentei. Sentei para pensar. Mas, pensar em quê? Tinha somente uma alternativa: sair dali. E como a cadeira me ajudaria nisso? Por isso sentei.
Recostei minhas costas nela e adormeci. Minha mente — e corpo — estavam tão cansados, que até a motivação para sair dali foram "esquecidas" por algum momento. Sonhei com uma casa no campo, onde eu e uma mulher sentávamos em um gramado verde e grande, enquanto crianças corriam ao longe, nos chamando a atenção. Seria essa a vida que esqueci? Por que esqueceria algo tão bom? Ou seria essa a vida que sonhei, mas por não alcançar, decidi apagar a que vivi até então. Acordei e vi que, para saber as respostas, primeiro teria de sair.
Tentei mexer a cadeira, mas ela pareceu estar presa junto ao chão. Deixei onde estava. Coloquei levemente os pés sobre ela. Subi e fiquei de cócoras, me levantando aos poucos, usando a mesma técnica que tinha dado certo até então. Fiquei de pé sobre ela e levantei as mãos. Ainda assim, não alcancei o teto, ou algo que deveria estar ali.
Abri os braços, um em direção e comecei a girar meu corpo, subindo e descendo as mãos, com o braços abertos. Quase ao fim do giro, senti minha mão direita esbarrar em algo, que balançou e bateu nela novamente. Instintivamente, me abaixei, esperando que algo mais viesse. Respiração ofegante. Nada. Voltei a me levantar e fazer o mesmo movimento de "reconhecimento". Novamente, minha mão esbarrou em algo. Dessa vez, na volta, consegui segurar. Era um fio com uma tomada na ponta.
Segurei aquele fio, como se fosse — e era — minha última esperança. Uma tomada, significava que tinha energia, que significava que havia luz. Uma lágrima escorreu deu meus olhos. Segurei o choro, dei mais um grito e comecei a puxar aquele fio, para ver de onde vinha.
Estava preso ao teto. Sim, tinha um teto. Comecei a fazer cada vez mais força, mas ele não cedia nem um pouco. Deu vários puxões de supetão, na tentativa de desgrudar ele de onde fosse que estivesse preso e assim eu pudesse seguir seu trajeto. Por fim, me dependurei nele. Nem com todo peso do meu corpo, o fio cedeu. Me balancei e por fim, bati o pé no que parecia ser uma parede. Parei imediatamente, para evitar que girasse meu corpo e pudesse perder a direção da parede. Desci com cuidado da cadeira e dei alguns passos. Achei a parede.
Dei um "abraço" nela, como agradecimento. Ela permaneceu fria.
Tateei por tudo onde pude, na esperança de achar uma saída. Ou no mínimo, uma tomada. Andando de lado, igual um caranguejo, tentei não me afastar muito da cadeira. Assim como o chão, ela não tinha emendas e nem mesmo uma angulação. Parecia "infinita" ou arredondada. A cada lado que me direcionava, esticava a perna, para não perder a cadeira de "vista". Nada para os dois lados. Decidi sentar novamente.
Pensei na vida...ou no resquício dela. Perguntei a mim mesmo: por que devo lutar mais? Para que devo lutar? Tenho alguma chance de sair?
Todas as respostas foram negativas.
Subi na cadeira. Botei um pé sobre o primeiro degrau do encosto. Parei, pensei, tirei o pé. Voltei a sentar. Pensei novamente no sonho. Será que minha vida não poderia ter sido assim? Ou, será que ela não poderia vir a ser assim?
Dúvidas e mais dúvidas.
Parei de pensar e agi. Um pé, depois outro e assim sucessivamente, até chegar ao topo. Sem mais forças, peguei o fio preso ao teto, puxei algumas vezes, para me certificar que ele estava bem preso. Enrolei no pescoço, fiz o nó mais forte que conseguir chorei.
Aquele fio pendurado, acabou por realmente se tornar a minha única forma de "sair" daquele local.
Empurrei a cadeira, mas ela não caiu. Balancei o corpo algumas vezes e finalmente, senti ela "fugir" de meus pés.
O tempo pareceu passar em câmera lenta. Mas não para evitar que eu esticasse o fio e quebrasse meu pescoço. Antes, vi a cadeira cair, e as luzes da sala acenderem. Embaixo de cada pé da cadeira, havia um sulco, onde eles ficavam presos. Por isso era difícil tirar ela do lugar. Em um desses sulcos, havia um interruptor, que mantinha as luzes apagadas. Ao tirar o pé da cadeira de cima, ele acionou e ligou. O lugar não era preto como eu imaginava, mas sim, roxo. Luzes cercavam o lugar todo — que era oval — paralelas a parede, em um filete de led. Uma única porta jazia do outro lado de onde a cadeira estava. Como última lembrança, vi a chave que me daria a saída presa sob a cadeira.
Acho que desisti cedo demais.

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Livro em branco
NouvellesQuanto você lutaria por sua vida? Sua coragem e vontade vão até onde?