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o início.
O relógio é o mesmo; eles marcam os mesmos horários. 7:38. Tenho que levantar, eu sei. Mas não quero.
Enquanto posso estar aqui, na cama, prefiro não arriscar. Ela me disse para levantar mais vezes, ser corajosa mais vezes, mas se eu seguir toda a minha coragem não sei onde vou parar. Me viro tantas vezes na cama que o formato que ela tinha quando acordei já não é mais o mesmo.
Mais uma noite. Mais uma noite de pesadelos.
Não deveria haver um limite de quantos pesadelos uma pessoa pode ter na vida? Apesar de não estar sonhando bem nos últimos meses, eu ainda não me acostumei a acordar todo dia com o estômago revirado. E, ainda por cima, minha mente não dá tempo por um segundo. Não consigo calá-la quando quero.
E não me lembro porquê.
Não consigo lembrar quando tudo isso começou, quando tudo isso pareceu ser tão real. Não sei se estou sonhando ainda; e tudo isso me frusta. Qual realidade é a pior?
Você teria feito-a se tornar melhor... Se você estivesse aqui.
Finalmente levanto-me, mas não saio do lugar. A gata ainda está aqui, em cima do edredom. Ela sempre foi tão pequena? Não lembro da última vez que a vi, mas acho que não tenho visto muita coisa esses dias. Tudo está monótono, não está? A pequena geladeira continua no mesmo lugar pelo menos; ainda tem coisas normais por aqui. Tenho me agarrado ao que me leva para "normalidade" depois que você partiu. Pelo menos é o que ela diz.
Ela. Ela não vem me encontrar. Sou que tenho que sair para vê-la (acho que esse foi o tratado). Em algum momento... houvera um tratado. Mas não lembro qual, ou o que dizia. Só me lembro de repetir as mesmas palavras até poder olhá-la nos olhos. Foi assim até eu perder a vergonha, até que eu pudesse finalmente levantar da minha cadeira. Entenda, fazer uma cena na frente de outras pessoas me deixa cautelosa, mas se eu não saísse daquela cadeira seria pior.
A geladeira... é verdade.... Tenho me distraído bastante também. Às vezes paro em frente de algo importante para pensar no que estou fazendo e, depois, não faço mais. Mas estou aqui, tentando ler o que está escrito. Acho que é um progresso, não é? Você não acha? Eu levantei.
A consulta começa 9:00. Pontual. Sem nenhum atraso. "Isso serve para que você tenha mais responsabilidade com seus compromissos. Eu não to querendo te castigar".
Vejo a gatinha pela última vez – mas algo não está certo. Não sei bem o que dizer, mas até ela está diferente. Depois que você partiu, tudo que ficou diferente. Foi você que me deu ela. Acho que seria importante fazer você lembrar.
o metrô
Daqui, a vista é tão bonita.
Acho que você teria gostado. Ou gostava, não lembro mais. Não lembrar das coisas que você gostava me deixa ansiosa, então desisto de pensar pela última vez. A violeta que está na minha mão ainda está viva. Não sinto seu perfume, mas observo-a com muita atenção. Eu a giro entre meus dedos para me distrair do tempo.
Tenho certeza que não falta menos que 10 minutos, e tudo será feito novamente. Em um infinito loop. Mas dessa vez eu escapo.
Acho que você teria gostado disso. Se, ao menos, não tivesse ido embora.
Enquanto girava a única violeta que permanecia na minha mão, lembrei do que queria te dizer. Mas ainda não posso dizer em voz alta. Tenho que terminar algumas coisas primeiro.
Me desculpa por te fazer esperar.
o consultório
Eu já estava aqui, mas não me lembro exatamente quando subi as escadas, ou quando adentrei à sala. O problema é esse, não é? Não lembrar.
Mas ela estava aqui, e estava falando. Eu tinha algumas poucas opções do que responder à ela. "Apenas lembre-se: poucas palavras, poucas informações".
Acho que poderia contar-lhe tudo se quisesse, mas, por algum motivo, não quero. Quero guardar as memórias que tenho com você, quero seja algo só meu. Algo que ela não pode encostar, revirar, analisar.
A gente conversa como nas primeiras vezes, e ela faz anotações. "Quero saber o que tá escrito nelas... ou não.... Não, definitivamente não quero". Me encolho cada vez que a vejo escrever. Acho que está fazendo seu melhor para cuidar de mim; por isso sorrio e faço meu melhor para responder à altura.
Respondo o que me pergunta e, se não pergunta nada, apenas escreve. É um entediante looping.
Ela é tão sensitiva – percebe até o meu silêncio. No começo, isso me amedrontava, mas agora já estou familiarizada com isso. É um silêncio que parece rodear a sala mesmo quando não estamos apenas respondendo e escrevendo. Acho que ela realmente se importa comigo, mas não consigo retribuir o afeto.
Quando a sessão acaba, ela ainda tem o olhar preocupado no rosto. Sua testa ainda está enrugada, mas aos poucos vai se desfazendo. Ela precisa atender outro paciente. Não sei o que dizer quando me leva até a porta, mas o olhar é de que ainda vamos nos ver de novo. E realmente espero por isso.
Por mais que eu tenha sido avoada durante a sessão, me sinto bem. Bem de um jeito diferente – não como "bem" geralmente significa; mas um "bem" confortável.
Confortável o bastante para andar até Swain's Lane.
swain's lane
o finalEstar aqui é diferente. Mas tudo está diferente. Estar aqui é como sentir um bilhão de coisas ao mesmo tempo – mas, incrivelmente, eu não quero chorar.
Apenas me sento de frente pro lugar onde tem seu nome entitulado. O mármore é gelado, e faz todo sentido. Estamos no inverno, finalmente.
Trouxe-te as flores que você gostava, ou disse gostar. Já faz um bom tempo que não te ouço falar nada. Mas eram sua cor preferida – as roxas. É do pouco que me lembro.
E então, lembro-me de mais uma coisa.
Você morreu há um tempo atrás, e eu estive negando isso. Mas você não gostaria disso, gostaria? Eu, presa na minha própria cabeça, vivendo uma fantasia? Quando ainda tem muito da realidade para explorar– ...A gata que você me deixou; o campo de flores que passa no metrô. Eu te amava, sabia? Você me deixou pra trás, mas eu não te culpo por ir embora. Todo dia eu acordo pensando em me juntar a você.
Mas vou continuar vivendo, junto das memórias que você me deixou.
Sem você.
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⿻ 𝐘𝐎𝐔 𝐋𝐄𝐅𝐓 𝐌𝐄. ❍ ຳ
Mystery / Thriller"You wake up in a different world. You have until nighttime to escape. Why are you here?"