O papagaio verde dormia empoleirado na pilha de papéis do escritório de Gilson Dorneles. Os roncos de Gilson eram ouvidos pela porta entreaberta que dava para o corredor. Sentado em um banco, com um jornal sobre o colo, estava ele: o renomado detetive de casos especiais Gilson Dorneles.
A soneca depois do almoço era um hábito frequente na vida de Gilson, e agora, papagaio verde. Alguns dias se passaram desde o caso estrambólico da ave. O relacionamento entre eles cresceu esponencialmente em questão de horas. Era a lábia do papagaio, pensava Gilson. Era as ponderações de Gilson, pensava o louro.
A campainha toca. Em um pulo, de atleta, Gilson ajeita os óculos e corre até a porta.
-ROUBARAM O MEU PIRULITOO ÔÔÔ!!! – Uma pausa. O berro. – UAAAAAAÁÁ Á!
O papagaio acorda. Pousa no ombro de Gilson.
-Aliás, meu nome é Hercule Parrot.
Tãdãdãdã Tãdãdãdã
O detetive de casos especiais
O que precisar, procurar, ele faz
Tãdãdãdãdã dãdãdãtátá
Nenhum mistério
Por mais caótico
Gilson Dorneles
Atende tudo
Até o gótico
Pátãdãpá
-Miniño, primeiro... Sente-se aqui, sim! – Já no escritório, Gilson não sabia lidar muito bem com crianças. Ainda mais aquela.
-Meu pai conhece você! – pausa - E eu conheço você! – A bolha de ranho estourava na ponta do nariz.
Hercule Parrot foi para o parapeito da janela e pulou. Abriu as asas e voou. Enquanto o detetive fazia suas perguntas de prache.
-Deve ter visto o rosto do suspeito, sim.
-Por baixo, apenas.
-Como ele era?
-Metido! Estava de bicicleta e um moletom amarelo.
-Quando aconteceu?
-Há vinte minutos.
-Certo. Acontece... Que bom que nos procurou logo.
-O que você vai fazer?
-Encontrar seu pirulito, oras.
-Não era melhor encontrar quem pegou o meu pirulito?
-Sente-se aqui, certo? – Gilson levou George para o outro escritório, onde havia um sofá. Notou que sua mãe ainda não chegara.
-O escritório da tia é legal, né?
-Sim, sim... Fique à vontade!
-Tio Gil...
-Hm?
-O pirulito era grande - grande e amarelo. Daquela marca nova, sabor de banana.
-Claro! O único pirulito na cidade inteira.
-Sim, ganhei como prêmio de bom aluno.
-Vamos encontrar seu pirulito, sim?
Gilson foi para frente do computador. O street view era atualizado em tempo real, então foi fácil procurar pelas rendondezas uma bicicleta com moletom amarelo. No mesmo instante que localizou a meliante, Gilson também viu que Hercule Parrot sobrevoava a mesma bicicleta.
O pirulito amarelo sabor banana era da marca Caramelows que produziu uma única unidade como desafio do Paladar da Ciência Contemporânea. Era uma bola enorme amarelada, com textura de banana e caramelo. O palito era feito de cascas recicladas e a embalagem era a própria folha de bananeira. "Uma graça" era o slogan.
Enquanto Hercule Parrot atraía a atenção da meliante para o escritório, Gilson Dorneles entra em uma plataforma de um compra e venda da região. O anúncio mais recente era exatamente o pirulito. Entretanto, já estava vendido.
-As pessoas são as pessoas e não tem o que fazer em relação a isso. – resmungava o detetive de casos especiais.
Como George era seu parente, tinha a família nas redes sociais e logo achou uma postagem de sua prima Gabriela na escola com a turma de George. Gabriela tinha uma filha que estava marcada nessa mesma foto.
-Interessante... Mas ao mesmo tempo, óbvio.
Gilson precisava pensar. Retornou até a sala onde George estava e lhe deu um beliscão. O menino abriu o berreiro novamente e Gilson Dorneles segurou o rosto da criança.
-Ahá! Miniño, acredito ter solucionado o seu caso.
Gilson esperou que a ave voltasse com a meliante. Serviu um chá de camomila para o seu ilustre cliente. Nessas conversas de chá da tarde, Gilson e George compartilharam seus amores por bolo de banana com cobertura de caramelo.
Hercule Parrot voltou glorioso de seu passeio. O papagaio destrambelhado pousou na mesa com o enorme pirulito no bico e logo depois, a campainha tocou. Gilson foi abrir a porta.
-Entre, miñina. – a garota de moletom amarelo adentrou o escritório. – Sente-se aqui, sim.
-Giovana! – George levou um susto.
-Sim, George... – Gilson apontou o sofá para que ela sentasse do lado do menino.
-Vou te explicar o que aconteceu. Vocês dois estudam na mesma sala, certo? -as crianças balaçaram a cabeça concordando. – George, você ganhou o prêmio de bom aluno, mas a Giovana queria esse prêmio, porque ela também é uma boa aluna e sua prima. Era uma competição de família acima de tudo. Entendo isso perfeitamente. – Gilson colocou a mão sobre o peito e suspirou. – Enfim, Giovana se aproveitou que você está sem os dentes da frente e puxou-lhe o pirulito de sua boca enquanto andava distraído. Menino, você não sabia que não se pode chupar pirulito enquanto há janelinhas, ou porteiras no seu caso, na boca? O risco de o doce cair no chão, ou pior, ser roubado é imenso! Perigoso! Ainda bem que você me chamou! E você, menina... Como anunciou aquele pirulito online assim? Não sabe dos perigos de conversar, e negociar, com estranhos?
As crianças estavam embasbacadas com a reação nervosa de Gilson. Nunca o viram daquele jeito. Isso porque Gilson Dorneles ganhara um prêmio de aluno zen na escola e o certificado estava atrás dele, na parede.
O papagaio verde pousou no ombro de Gilson com o pirulito no bico. Gilson pegou o pirulito e o entregou para George.
-Aqui está, miniño. Seu pirulito.
-Você vai contar para as nossas mães? – Giovana lamentou.
-Meus clientes têm seu sigilo garantido. Mas prometa que isso não irá acontecer de novo.
-Tudo bem... Desculpa, George. Eu só queria ser a melhor da turma.
-Tudo bem, Giovana... Tenta no próximo ano se a gente não estudar juntos.
Gilson pegou o telefone e ligou para o Despacha Criança, serviço de entrega de crianças de volta para suas casas. Não demorou muito e Gilson os acompanhou até a porta. Giovana foi a primeira a entrar no carro.
-Tchau, tio Gil!
George ia saindo com o pirulito na boca quando Gilson o parou. Gilson puxou o pirulito e o bateu de leve na parede. Fazendo conchinha com a outra mão, pegou um terço do pirulito.
-Os honorários, miñino. Pode ir agora, sim! – Gilson sorriu.
Tãdãdãdã Tãdãdãdã
O detetive de casos especiais
O que precisar, procurar, ele faz
Tãdãdãdãdã dãdãdãtátá
Nenhum mistério
Por mais caótico
Gilson Dorneles
Atende tudo
Até o gótico
Pátãdãpá
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O detetive de casos especiais Gilson Dorneles
HumorGilson é um detetive de casos especiais que mora em Taquara/RS. Sua função é atender os mais diversos clientes, alguns extravagantes, mas todos peculiares. O detetive de casos especiais, o que precisar, procurar, ele faz. Nenhum mistério, por mais c...