Eles chegaram à noite, quando todos dormiam. Não sabíamos quem eram, nem o que queriam. Ninguém os viu chegar.
Jamais imaginamos que algo assim aconteceria em um prédio bem localizado, com porteiros e câmeras vigiando-nos 24 horas. Mas de alguma forma, eles entraram.
A primeira a ouvir foi nossa cachorra, Molly. Dormíamos no quarto, na madrugada silenciosa que se estendia a nossa frente.
Senti Molly inquieta, junto a mim. Suas orelhas levantaram e ela começou a rosnar baixo.
Meu marido ressonava ao meu lado. Os rosnados da cachorra aumentaram. Então ouvimos alguém mexendo no trinco a porta.
Molly latiu, raivosa, ao nosso lado. Meu marido acordou, ainda assustado com a movimentação. O trinco movia-se violentamente, a porta vibrava. Nunca sentira um medo tão grande em minha vida. Mal podia respirar, o peso de um elefante estava todo em meu peito.
Alguém estava do outro lado, tentado abri-la a todo custo. Eram eles!
A porta resistia. No apartamento, nos três estávamos na sala, com medo, tentando entender o que se passava. A cachorra latia a plenos pulmões.
O barulho na sala era ensurdecedor. Não conseguíamos pensar. Meu marido pegou uma faca do escorredor de talheres. Fiquei atrás dele. A cachorrinha latia, próxima a mim.
A porta passou a balançar cada vez mais, o trinco iria ceder.
De repente, o silêncio. Pela luz de baixo da porta, víamos que eles estavam lá, parados, talvez encarando a porta, talvez preparando o ataque final.
Ouvimos o som das correntes em seguida. Alguém passava uma corrente pelos trincos, pelo lado de fora.
Eles já não queriam mais entrar. Queriam nos impedir de sair!
Ouvíamos os vizinhos gritando. Estavam presos também. Te tamos abrir a porta. Ela não se movia.
Apavorados, sentimos o cheiro. Fumaça. Pouco depois, sentimos o calor. Estávamos trancados em uma armadilha.
Nossa casa, nosso lar, nosso refúgio, era agora uma caixa trancada, onde estávamos fadados a morrer.
Mas nós não iríamos morrer ali. Eu me recusava a morrer ali, daquela maneira.
Enquanto meu marido entravam embaixo do chuveiro frio, ainda de pijamas e enrolado em um cobertor, coloquei nossa cachorrinha em uma bolsa. Pedi que ele a molhasse também. A fumaça invadia todos os cômodos. Tossíamos.
Era hora de amarrarmos os lençóis. Fizemos uma teresa, com o cumprimento suficiente para chegarmos até próximos no chão. Depois, teríamos que pular.
Os vizinhos gritavam desesperados. Os outros andarem também queimavam.
Enquanto fazíamos a corda improvisada, agradeci morar no terceiro andar. Teríamos uma chance.
A fumaça estava cada vez mais densa.
Molhei-me como pude, coloquei a bolsa com a cachorra virada para mim. Dentro dela, Molly tremia. Lembro de ver suas orelhinhas baixas, seus olhos lacrimejantes. Ela também respirava com dificuldade.
Amarramos a corda na varanda e descemos por ela.
Minhas mãos tremiam, mas precisávamos descer. Não morreríamos ali.
Tudo foi muito rápido.
Faltava pouco para o chão. Pulamos e conseguimos escapar. Pouco depois, o prédio inteiro ardia.
Uma torre laranja infernal no centro da cidade. Os bombeiros chegaram a tempo de ver tudo queimar.
Poucos se salvaram. Alguns pularam para a morte. A maioria, morreu sufocada, dentro de suas, agora, armadilhas.
Na rua, a movimento era intensa. Estávamos sujos, cansados e confusos, mas estávamos vivos.
Em meio à confusão, ninguém viu que um carro nos observava de longe. Não sei porque caminhei até o carro.
Dentro dele, eu era também observada por eles. Eu não podia vê-los, mas eles podiam me ver. Eu sabia que podiam. Eu sentia que podiam.
Mas eu iria vê-los em breve. Iria descobrir que eles eram. Mais cinco passos e eu poderia ver seus rostos.
Foi aí que eles arrancaram com o carro. Passaram por mim, cantando os pneus do carro preto em que estavam.
De relance, vi apenas que sorriam. Um sorriso mal, demoníaco.
Eles foram embora, deixando muitas perguntas. Quem eram eles? O que queriam conosco? Por que nos atacaram? E a maior de todas: eles voltariam?
Senti meu estômago revirar. Eu tinha certeza de que eles voltariam. Vomitei na calçada. Eles voltariam.
Abri os olhos depressa. Minha respiração estava ofegante, o gosto de metal na boca. Eu sonhara tudo. A camiseta grudada no corpo. Apalpei minha cachorra, que dormia profundamente, enrrodilhada ao meu lado. Meu marido ressonava tranquilo. Estávamos dormindo, em nossa cama. Em nossa casa. Em nosso refúgio.
Passei a respirar fundo. Minha mente me pregara uma peça.
Foi então que ouvi alguém mexer, de leve, na maçaneta.