Tudo se resolve à base de bala

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Poliana estava dentro do seu carro segurando o volante com muita força. O som velho de seu Landau estava tocando uma música horrível, isso só a fez se sentir pior do que já estava.
Ela não conseguia acreditar no que vira quando subiu no apartamento n° 128, de Felipe naquela noite fria de janeiro.
Pareceu um grande mal entendido. Ela queria que fosse, mas teve certeza do que viu.
Eles estavam namorando há 3 anos. Como ele pôde?
Ela tentou respirar fundo e acalmar seus nervos, mas seu corpo parecia querer mais um pouco de adrenalina. Pelo que se lembrava seu pai escondera uma Tx22, em algum lugar, em todos os três carros da família Bacetti. Só não lhe vinha à memória onde estava...
Talvez falar para Felipe que iria viajar à negócios para o Rio de Janeiro, o que era uma grande mentira pois ela só queria ter tempo de organizar a festa de aniversário de namoro dos dois, não tenha sido uma boa ideia, afinal. Ela exagerou ao falar que ficaria uma semana lá. Talvez ele tenha ficado com saudades de ter alguma companhia, certo? Foi tudo culpa dela, talvez.
Poliana ficou com ainda mais ódio, e seus olhos ferviam de raiva por seus pensamentos estarem defendendo aquele babaca. Poliana sabia de alguma forma que ele sentia algo por ela, a dona cobra, desde aquele dia em que foram todos passear no lago Sasamat II ano passado, nas férias.
Os dois não paravam de conversar em todos os piqueniques que faziam, toda vez deixando a de lado. Saíram, uma vez, desconfiados do Resort ao verem que Poliana havia voltado da sua volta de bicicleta, pelas ruas de São Paulo, que fazia matinalmente, como se estivessem feito algo muito errado, pois ambos, ficaram fantasmagoricamente brancos.
Agora ela estava estacionada na esquina do prédio de Amélia Lay.
Sua amiga de infância. A quem ela contou tudo e dividiu sua vida, em todos esses anos de amizade. Era a pessoa que mais conhecia Poliana. Ganhando até de sua própria mãe. Mas, quantos pais conhecem seus filhos, realmente, hoje em dia, não é mesmo? E mesmo assim isso a deixou confusa. Por que o telefonema dissera justo aqui?.
As famílias das meninas eram sócias e donas do restaurante mais famoso de São Paulo, o Coz' Ina Grande.
Os pais de Poliana investiram a herança que receberam, após a morte dos avós da garota, no negócio. A vida deles era dedicada em manter o restaurante em pé, desde que Poliana era pequena.
Amélia crescera junto com ela. Elas viajavam juntas em todas as férias de verão. Sempre podiam escolher o destino da viagem, se suas notas fossem altas no colégio. Já foram a Dubai, África, China, Itália... Colecionavam objetos desses países e os mantinham nas suas estantes.
Assistiam filmes até caírem no sono. Iam comer juntas.. Eram quase irmãs de verdade... Porém, havia algo entre as duas.
Amélia tinha um corpo esbelto e seus cabelos esbanjavam ondas loiras e impecáveis. Parecia sempre ter acabado de sair de um salão caríssimo, por mais que só frequentasse uma vez por mês. Seu rosto era simétrico e sempre tinha maquiagem em sua bolsa, para retoques rápidos. Porém, sua beleza não a validava como uma pessoa boa e decente. Sua arrogância crescia a cada dia.
Amélia sempre achou que era mais atraente que Poliana: a menina tinha longos cabelos castanho escuro e pele negra, corpo meio atlético e estava sempre precisando de uma limpeza de pele, pois seus dias estressantes a deixava com o rosto manchado de espinhas.
Amélia achava que os seus milhões de admiradores, contra o único namorado que a amiga já teve na vida, comprovava a sua teoria. Mas na verdade, Poliana estava tão cheia de pretendentes quanto Amélia, a única diferença é que não achava motivos para sair contando para todos que os tinha. Poliana ainda, era uma garota bondosa e querida por todos, diferente da amiga, que deixava seu orgulho e vaidade falarem mais alto.
Por mais que Amélia tentasse se convencer que amava Poliana como antes, sabia que não era mais assim que se sentia em relação à ela, agora. Ela estava com inveja da determinação que Poliana tinha, seu bom coração e humildade, que mesmo suas famílias possuindo mais de cinco restaurantes espalhados pelo país, nunca esbanjava nada. Ela poderia muito bem ter pedido um carro melhor do que aquele Landau, patético e velho, para comemorar a sua graduação em História.
Amélia a achou tão fingida quando escolheu dar aula ao invés de se tornar uma médica famosa. Suas famílias viviam insistindo que as meninas deviam procurar crescer, ainda mais, por conta própria. Se formar em medicina era, segundo eles, um ótimo passo para demonstrar que não precisavam deles mais, para terem a própria fortuna.
Talvez Poliana só quisesse mostrar a todos o quão boazinha ela era. Prestativa e amiga de todos. Mas Amélia a conhecia muito bem. Isso a deixou nervosa e confusa por dias. Ela planejava acabar com esse teatro todo de uma vez.
Poliana sempre recusava ao pedido que Amélia fazia desde que entraram na faculdade.
- Larga esse curso e vem pra minha turma Poli..Você merece muito mais que ser uma simples professorazinha.. - Amélia disse com desdém no dia do exame principal.
- Lia eu não quero ser doutora. Não é pra mim ver sangue e ainda ter que ficar 10 anos esperando se formar pra, no final, ser algo que eu não gosto, o resto da vida. Minha mãe é louca por achar que serei milionária sendo médica - Poliana explicava por que história sempre fora sua paixão, mas Amélia sempre acabava mudando de assunto.
Será que Poliana não via que ela só queria a ver bem, e mais rica? Ou ela estava farta de Amélia e a queria longe ou estava mesmo falando a verdade, que queria apenas mostrar a todos sua grande contribuição para a sociedade, educando crianças. Quando poderia fazer isso, saindo pela rua distribuindo os pratos absurdamente caros que seus pais serviam.
- Se você insiste tanto em contribuir com o mundo, por quê não dá a comida do seu restaurante de graça e abre um em cada canto do planeta? - cuspiu Amélia um dia.
Amélia, então, decidiu forçá-la a se apaixonar por um de seus ex-namorados, apresentando-o a amiga e deixando em segredo esse último fato. Felipe Schultz, era muito fingido e manipulador. Seu pai era alemão. Ele tentara dar um golpe em Amélia uma vez, terminaram logo após, mas continuaram "amigos".
Ela o chantageou para fazer Poliana ser sua namorada. Caso ele conseguisse, ela tiraria o boletim de ocorrência que fizera contra ele, perdoaria sua dívida com ela e talvez, aceitaria seu convite para jantar.
Amélia contou à Felipe tudo o que precisava saber de Poliana e bastou ele fingir que conhecia as obras de Albrecht Dürer e citar o quão magnífico era o quadro Hase, que a garota o achou magnífico e diferente de todos os outros.
Felipe tinha como plano inicial, fazer Poliana se apaixonar por ele, descobrir algum de seus podres que nunca contara a Amélia e depois descartá-la, quebrando assim seu coração. O que não contava, era que quem se apaixonaria seria ele. Ele se sentiu perdido. Mantinha contato com Amélia às escondidas todo mês, para atualizá- la de algo que ele nem estava fazendo. Enrolou tanto ela, que seu namoro conseguiu sobreviver três anos. Ele pensava que estava. O que não imaginava era que Poliana o seguiu, depois do telefonema anônimo que recebera naquela tarde. Mais estranho que o telefonema, foi o endereço que a pessoa do outro lado falou: "Rua Juca três, 549".
- No prédio de Amélia ?! - se espantou Poliana. Ela decidiu que iria. Mesmo sendo possível ser um trote.
Tudo estava indo tão bem, a festa sendo organizada, o buffet iria ter que esperar. Ela ficou meio confusa ao ver ele entrar no prédio feito um furacão exatamente como o telefonema anônimo lhe disse, com um sanduíche na mão e um copo de refrigerante de laranja. Ele só comprava isso quando estava ansioso ou bravo com alguma coisa, pois sua dieta era muito regrada.
Felipe aproveitou a "viagem" da namorada para falar de uma vez por todas à Amélia que não queria mais fazer parte do plano dela, pois ele estava apaixonado. E sinceramente, ela era uma falsa por tentar destruir a vida de uma menina tão doce quanto Poliana. Que ainda considerava sua própria irmã.
Felipe entrou em seu apartamento e acendeu a luz. Ele estava tentando planejar uma maneira de contar à menina mais doente que ele conheceu na vida, que estava oficialmente fora. Talvez seria uma boa por telefone. Caso ela quisesse lhe lançar uma faca, teria que sair de sua casa a uns cinco quarteirões, e tentar a sorte de o encontrar. Mas ele nem precisou ter o trabalho de pegar o telefone.
- Que porra é essa? Como você conseguiu entrar aqui? - Ele cuspiu todo o refrigerante de laranja de sua boca ao ver Amélia parada no sofá de sua sala.
- Você me ligou seu bêbado nojento - Ela disse revirando os olhos. - Ou talvez, eu more do seu lado. Porquê você tem um apartamento no mesmo prédio que eu? - disse Amélia brincalhona.
- Tá maluca? Que tipo de droga você fumou? Eu não ligo para você. Nesse apê eu guardo umas coisas inúteis. Não que isso seja da sua conta - Felipe guardou seu sanduíche na geladeira - E a propósito eu estou fora.
- Está fora de quê?- Amélia foi à janela e viu o carro de Poliana, não tão discreto, parado na esquina. Estava funcionando. Ela se livraria de dois otários de uma vez.
- Desse plano imbecil. Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando topei algo assim - Ele disse decepcionado - Afinal, o que ela fez?
- Cala boca, Felipe. Você não é santo. Na verdade você é tão do mal quanto eu - Amélia cuspiu - Você tentou me roubar seu imbecil. Agora, me deve isso. - Amélia colocou suas mãos na cintura. Seu vestido vermelho da Alphorria e seu salto alto a deixou com um ar de poder.
-Isso não justifica você tentar destruir a vida de alguém só porque sente inveja - disse Felipe.
- Pelos céus. De onde você tirou isso?- Amélia riu - Eu não sinto inveja de Poliana. Eu só sinto... pena. Você não sabe de nada. Nem a conhece. Aposto que está caidinha por ela, não é? ... Seu nojento - zombou ela.
À essa altura Poliana já devia ter subido as escadas ou o elevador. O plano teria que acontecer no corredor para funcionar.
- Sabe eu não quero ser chata nem nada, mas acho que tem visita para você lá embaixo na portaria - disse Amélia.
- Esqueça. Não vou te deixar aqui. Vá embora - disse Felipe a pegando pelo braço e a arrastando para a porta - Não me procure mais, Amélia- continuou ele.
- Você é um inútil mesmo. Se quiser ir para a cadeia é só me desafiar Felipe - disse Amélia e assim que viu o conhecido longo cabelo castanho no topo da escada, lançou- se sobre Felipe e o beijou a força. Ela só precisava de 20 segundos para que Poliana visse tudo e saísse correndo igual uma pata louca... E para surpresa de Amélia ele a beijou de volta. Que menino doente.
Poliana fez o caminho de volta, com náusea e os olhos cegados pelas lágrimas. Voltou ao seu carro e bateu a porta com força.
- Não, não, não e não. Esse desgraçado nunca me amou... Inferno...- Ela gritou e bateu com as mãos no volante. Na tentativa de tirar toda a dor que estava sentindo. Ela ainda tinha uma arma em algum lugar do carro, só precisava lembrar onde...

Poliana quer fugir - Sil HwioungOnde histórias criam vida. Descubra agora