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   O vento sempre foi algo que prendia a minha atenção. Uma força da natureza, vinda de absolutamente lugar nenhum, capaz de causar: erosão em rochas enormes, tornados, tempestades de areia e muitas outras coisas grandiosas, mas neste momento, ele estava apenas balançando as cortinas do meu quarto, de uma maneira sutil, quase imperceptível. Era difícil acreditar que era o mesmo vento que soprava meus cabelos e movimentava moinhos, mas certamente o era, e nesse momento era apenas uma brisa. Calma e faceira, gelada e humilde. Como podemos comparar tal movimento insignificante de balançar cortinas com tempestades de areia? O vento certamente era como a lua, um ser de fases.

    - Selyna? Você está me ouvindo? - De repente volto a realidade quando Zara põe a mão em meu braço. Só então me recordo o que está acontecendo, eu deveria estar ajudando-a a bolar um plano para encontrar Driko, um guarda pelo qual ela nutre sentimentos. 

    - Perdão Zara, você sabe como o vento me deixa. Tentarei me concentrar de agora em diante. 

    - Não faz mal. - Ela diz enquanto abre um sorriso doce. Realmente, suas aulas de etiqueta foram realizadas com perfeição. - Eu estava pensando... em dois dias ele terá sua folga, mas eu tenho um chá com a duquesa de  Diopnah. Você sabe como essas coisas são, Sel, demoram horas e ela não para de falar sobre o meu irmão um único segundo. Tenho pena dela, afinal, todos sabem que ele só tem olhos para você. Enfim, não teria um jeito de você preparar uma... - Ela olha para os lados e sussurra " poção ". E sorri maliciosamente.

   Arregalo os olhos. Ela sabe que seria muito arriscado, afinal, bruxas são condenadas à morte por desmembramento. É horrível e cruel, mas infelizmente os seres humanos lidam assim com "possíveis ameaças". 

     - Z. , Você sabe que é muito arriscado! Eu não pratico isso há anos, desde que fui... - Lembro-me de que ela não sabe que fui banida do castelo de Diopnah. - Desde que parei com as aulas de magia com os elementos. Eu precisaria de várias plantas e um caldeirão,  um cálice e... se ela morrer, vão suspeitar! - Falo rapidamente e ela ri.

    - Quem falou em matá-la? Você foi longe de mais. Eu estava pensando em apenas... algo que parecesse uma doença. Algo que faça-a expelir fluidos incontrolavelmente,  assim ela teria que retornar para sua casa e eu teria o dia livre. 

    - Então... você quer que eu a faça vomitar? 

    - Basicamente... sim.

    - Bom, vômito é uma coisa natural, todos vomitamos às vezes. E podem confundir com ansiedade por encontrar o príncipe Dwight... mas eu não tenho os ingredientes. 

   - Eu acho que posso conseguí-los. Do que você irá precisar?

   - Ah... capim azedo, 3 pimentas roxas, cúrcuma e... gaellas... -  Assim que falo a ultima palavra, Zara arregala os olhos, afinal Gaellas não nascem no reino de Bahila. Somente são encontradas nos pântanos de Diopnah.  

   - Bom... Sel, eu posso conseguir as pimentas e a cúrcuma, e acho que o Driko pode conseguir o capim... mas as gaellas? Eu não posso sair do palácio. E se você for? Eu posso dizer para Madame Fay que você foi à cidade buscar uma linha nova para mim, ela vai entender.  

   Penso por alguns instantes, mas logo concordo, afinal ela é muito importante para mim, quase uma irmã. E eu poderei sair do castelo, coisa que não faço há anos.

    - Tudo bem Z.  Volte aqui daqui há uma hora com uma declaração falando que eu posso sair do castelo. Irei me preparar. - E sem dizer nada, a princesa saiu do meu quarto, me deixando sozinha.

    Madame Fay ficará irritada, mas ela sabe que é crime recusar uma ordem direta da família real. Retiro meu vestido e me olho no espelho. Continuo a mesma menina esquisita de sempre. Olheiras fundas de mais, alta de mais, e atraente de menos.  Minha pele é bronzeada, de maneira que é perceptível o fato de que não sou daqui. Meu revolto cabelo cor de ébano também não ajuda. Suspiro, nunca vou me encaixar. Visto calça e blusa compridas, e ponho um manto por cima, para não ser reconhecida. Calço botas impermeáveis e pego uma bolsa no armário. 

     Saio do quarto rapidamente e vou para a cozinha, onde pego duas garrafas d'água e guardo. Penso em pegar algo para comer, mas teria que explicar à cozinheira aonde estou indo, então sigo para o jardim, onde há várias árvores frutíferas. Paro em frente a uma amoreira e começo a pegá-las, guardando-as num potinho. Resolvo pegar maçãs também, então sigo em frente até entrar no pomar. É tão estranho vir aqui sozinha... afinal, foi aqui que Dwight me beijou pela primeira vez. Afasto os pensamentos e começo a subir numa macieira, quando escuto "É perigoso para uma dama subir numa árvore." Estremeço e olho para baixo, vendo o príncipe se divertir com a minha expressão assustada.

    - O que você está fazendo aqui sozinha, Selyna? - Ele perguntou rindo, e antes que eu respondesse ele completou - Está relembrando o nosso... momento? - Ele falou com um sorriso de canto. Como sempre, estava bem humorado. Bom, não sempre, mas sempre que estava comigo. 

    - Ahn... algo assim. Mas também estou recolhendo maçãs, Zara pediu para que eu fosse à cidade buscar uma linha nova para ela e resolvi levar algo caso sentisse fome no caminho. - Quando disse isso, seu sorriso se fechou.

   - Você sabe que eu não gosto que você vá à aldeia sozinha. É perigoso! Quando você planejava me contar isso? - Ele disse enquanto me ajudava a descer da árvore. 

    - Bom, não imaginava que vossa alteza iria perceber a minha ausência, afinal, em dois dias a duquesa Chariot virá. Você não deveria estar planejando alguma atividade para entretê-la? Afinal, todos esperam que vocês fiquem juntos. - Digo, sem me preocupar em mascarar os ciúmes.

    - Você está sendo injusta, Selyna! Você sabe que só tenho olhos para você, mas como príncipe da Bahila, devo cumprir minhas obrigações reais. - E assumiu um semblante triste.

    Antes que ele dissesse algo, passei a mão em sua bochecha e o beijei. Eram raros os momentos que tínhamos sozinhos, e não deveriam ser desperdiçados com briguinhas bestas. Seu beijo era calmo e terno, transparecendo todos os seus sentimentos. Ele colocou a mão em minha cintura e me prensou contra a árvore, tornando a distancia entre nós inexistente. 

    O príncipe Dwight era perfeito. Tinha herdado os cabelos cor de areia do pai, e os olhos turquesa da mãe. Era alto e tinha  o corpo atlético, devido à grande quantidade de exercícios físicos que fazia. Mas acima de toda essa beleza física, ele era um homem bom, e tenho certeza que será um ótimo rei um dia, afinal põe as necessidades de todos na frente das suas. 

    Paro o beijo com selinhos e encosto a cabeça em seu ombro. Detestava mentir para ele, mas era necessário. Afinal, ele era filho do rei  Asthor, o caçador de bruxas. Seu ódio a minha espécie era tão grande, que se descobrisse o que eu sou, não exitaria em me matar. Não o culpo, afinal, criaram uma imagem horrível e violenta das bruxas desde que uma tentou assassinar a rainha, há 300 anos. 

    - Perdão, vossa alteza, mas devo me retirar. Sua irmã não gosta de esperar, assim como o senhor. - Digo enquanto o afasto.

   - Selyna, não me chame de senhor, eu sou quatro anos mais velho que você, não quarenta. - Ele disse enquanto fazia carinho na minha mão. - E por que você tem que ir? Eu posso mandar uma criada ir no seu lugar, assim teremos o dia para nós... podemos fazer um piquenique, ou algo assim

   - Está bem, Dwight, não o chamarei mais assim. Mas realmente tenho que ir, por mais que a oferta seja tentadora, não é sempre que tenho a oportunidade de sair do castelo. Eu sempre fico presa aqui, sozinha. Quando eu voltar, prepararei uma refeição encantadora para nós. Até breve. - Disse e desapareci em meio às árvores, antes que ele conseguisse me convencer a ficar. 

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⏰ Última atualização: May 06, 2020 ⏰

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