Do início ao fim

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  A minha primeira lembrança era de um lugar escuro,quentinho e apertado, mas muito confortável.
  As vezes eu ouvia uma voz abafada quando eu chutava, eu queria tanto saber de quem era essa voz.Essa voz cantava,conversava comigo, e mesmo sem entender muita coisa, eu ouvia e deixava ela me acalmar até eu dormir.
  Tinha vezes que eu sentia alguma coisa me pressionando e me fazendo carinho,era gostoso quando isso acontecia, mas eu ainda tinha vontade de sair. Queria conhecer quem me fazia carinho,quem cantava para mim, quem conversava comigo até eu dormir, eu queria saber quem era.

  Ainda me lembro quando esse dia chegou,ela estava conversando comigo enquanto me fazia carinho, até que eu senti algo debaixo de mim estourando e eu ouvi um grito dela. Ela não parava de se mexer e me chacoalhar,e o lugar onde eu estava começava a me apertar ainda mais,e isso incomodava muito.
  Não sei por quanto tempo durou isso,mas eu chutava, me esticava, eu queria sair.
  Mas chegou uma hora que esse desconforto todo parou, e eu senti algo claro nos meus olhos, não queria abrir os olhos e não sabia o que era então comecei a chorar. Até que eu ouvi, era aquela voz que eu sempre ouvia quando estava no escuro, e ela parecia chorar também, as mãos dela passavam pelo meu rosto e me envolvia em um abraço, eu gostei mas não durou muito pois outra pessoa que não era ela me pegou e me levou embora.

(...)

  Após algumas semanas,finalmente tive coragem de abrir os olhos e ver de quem era aquela voz que eu gostava tanto. Quando eu abri lá estava ela, seus olhos me encaravam e eu não me aguentei e sorri, ela era tão linda e eu precisava tocar nela e foi o que eu fiz.
  O sorriso dela me fazia sorrir também, cada traço dela me enchia os olhos e eu sabia que eu a amaria sempre. E nesse dia foi quando eu descobri o meu nome.

(...)

  Hoje eu tive que ir para a escola e eu não queria ir,queria ficar em casa com a minha mãe. Queria brincar com ela e não conhecer outras crianças como eu.
  Mas ela insistia que eu precisava ir e que iria ser legal, e ela me prometeu que me buscaria quando fosse a hora da saída.
  Então me arrumei ,com a ajuda dela, e fui feliz para a escola ,com ela segurando a minha mão para eu não cair.
  Antes de eu entrar na sala eu a abracei e a disse que a amava,acho que ela gostou pois deu um sorriso grandão.
  O tempo demorou a passar,mas o dia até que havia sido legal,conheci novos amigos e fiz um desenho lindo que eu sabia que a minha mãe iria amar. Quando a sineta bateu eu me sentei de novo na cadeira e esperei ela aparecer na porta da minha sala para me buscar, enquanto esperava eu via os pais dos meus novos amigos indo buscar eles até que chegou a minha vez e ela estava linda como sempre. Corri e dei um abraço nela e mostrei o desenho que fiz para ela,e como eu desconfiava, ela gostou e voltamos para casa enquanto eu contava para ela como tinha sido o meu dia e o quanto eu gostei da escola e dos amigos que fiz lá.

(...)

  Ela parecia cansada nesses últimos dias, então a deixei dormindo. Escrevi um bilhete que eu já estava indo para a escola e deixei encima da mesa.
  Em todos os meus primeiros dias de aula ela me levava mas esse ano foi diferente,mas não importa, já estou grande e posso me virar.
  Já sei fazer comida, tomar banho sem ajuda, amarrar meus próprios sapatos, e muitas coisas á mais, não sou mais criança!
  Mas no fundo eu desejava que ela me buscasse de volta apesar de que seria o maior papelão do mundo...

(...)

  Hoje eu finalmente faço dezoito, completo o ensino médio e de quebra viro maior de idade legalmente.
  Volto para casa com um cansaço que não cabia em mim, e encontro com a minha mãe com um cupcake com uma vela encima  me esperando, pego o cupcake e assopro e dou um abraço nela. Apesar de todas as brigas que estamos tendo,sei que ela me ama.

(...)

   Hoje faz exatamente três anos que eu saí de casa, desde que eu me assumi pansexual e fui para a faculdade. A três anos que não falo com a minha mãe, a três anos que não á abraço, não converso com ela, não ouço ela brigando comigo pois esqueci algo no chão ou algo do gênero.
  Chego no meu apartamento e o encontro vazio,sem ninguém e mais uma vez a saudade me abate.

  "Será que ela trocou de número?" , "eu deveria ligar..."

  Os pensamentos me rondam até eu respirar fundo e pegar o celular no meu bolso e discar os número de celular que já me salvou tantas vezes.

  Um bipe,dois bipes,três bipes...

  - Alô?

(...)

  Hoje eu me formo na faculdade,e sinceramente é o dia mais feliz da minha vida, vejo minha mãe na primeira fila e ela está linda como sempre. A um ano que resolvemos nossas diferenças e voltamos a nos ver e hoje ela está em um momento muito importante da minha vida.
  Tenho muito o que agradecer ela, ela que me ensinou a andar, ler,escrever, tomar decisões,me mostrou o certo e o errado e me deixou seguir minha vida e hoje está aqui para o fim de um ciclo e início de outro.

(...)

  Hoje a chuva caí fina e gelada, hoje ela se despediu de mim para sempre.
  Saio do cemitério com lágrimas escorrendo sobre o meu rosto, mesmo eu tendo mais de sessenta anos de idade eu ainda tinha aquele pensamento de criança que a minha mãe era imortal, que viveria para ficar comigo sempre.
  Mas mesmo eu sabendo que ela não estará mais nessa caminhada comigo daqui pra frente,ela estará sempre no meu coração e nas minhas lembranças até nos encontrarmos de novo na morte.
  Ela era,é e sempre será a minha heroína, a minha protetora, a minha rainha, a minha deusa, a minha mãe.

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